Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Víctor Botas – Tentativas de Felicidade

A felicidade, o que será? A capa da revista “Época” desta semana estampa a seguinte manchete: “Compre experiências, não coisas. Esqueça o carro novo ou aquele celular bacana. Novas pesquisas comprovam: investir nos bons momentos da vida traz mais felicidade”.

Nada há de novo no conteúdo da revista, pois já há anos livros que tratam da matéria retratam a mesma ideia: é melhor você ter uma experiência relevante e positiva, por exemplo, viajar até a Europa, do que dar-se de presente aquele produto caro que não terá o condão de manter o seu estado feliz por mais de alguns dias e nunca mais.

Experiências perduram por toda a vida, e é esse o sentido daquilo que se deve buscar: marcas indeléveis no córtex que sejam capazes de, a cada vez que relembradas, produzirem estados felizes, como se estivessem sendo vivenciadas naquele exato momento.

O poeta espanhol Víctor Botas, no poema que transcrevemos neste momento, revela, no rastro de sua poesia, uma enorme capacidade para aperceber-se dos momentos simples da vida, que bem podem ser o céu ou o inferno, ou mesmo nada, como ceticamente dá traços finais à sua criação.

Particularmente, deleitei-me quando menciona as leituras como fonte de prazer e felicidade. Os livros, é verdade, são mananciais de memórias inextinguíveis e, certamente, bens a que podemos recorrer a cada vez que a vida transita por suas noites invernais. Octavio Paz, Pessoa, Hesse... Há coisa melhor? A literatura como felicidade!

Aliás, de repente, não mais que de repente, vieram-me à mente as palavras do escritor argentino Jorge Luis Borges (2001, p. 79-80), acerca de suas leituras: Que outros se jactem das páginas que escreveram; a mim me orgulham as que li. [...] A tarefa que empreendo é ilimitada e há de acompanhar-me até o fim, não menos misteriosa que o universo e que eu, o aprendiz.

J.A.R. – H.C.

Víctor Botas
(1945-1994)

Conatos de Felicidade

Las páginas de un libro de Baroja
a la sombra de un árbol,
en verano.
Un poema de Octavio Paz, de Larkin, de Pessoa,
o de mi amigo d’Ors,
en la cama de un tren Madrid-París.
La joven que recorre
la mañana y las calles, con las olas
bramándole en los ojos.
Mis hijos en la playa de Salinas, tan contentos,
jugando con la arena.
La solitaria rosa que se enciende,
húmeda y temeraria,
en un jardín cualquiera de la tarde.
La curiosa mirada de los viejos.
El brillo de la Luna.
Todas estas cosas pueden ser motivo de rara felicidad.
Todas estas cosas pueden ser tu cruz y tu calvario.
Todas estas cosas pueden ser la trampa en la que caes de bruces.
Todas estas cosas pueden incluso no ser nada.
Nada de nada, hermano.

Le Déjeuner des Canotiers
Pierre A. Renoir (1841-1919)

Tentativas de Felicidade

As páginas de um livro de Baroja
à sombra de uma árvore
no verão
Um poema de Octávio Paz, de Larkin, de Pessoa
ou do meu amigo d’Ors.
na cama de um comboio Madrid-Paris.
A jovem que percorre
a manhã e as ruas, com as ondas
retumbando nos seus olhos.
Os meus filhos na praia de Salinas, tão felizes,
brincando com a areia.
A rosa solitária que se ilumina,
úmida e temerária,
num jardim qualquer da tarde.
O curioso olhar dos velhos.
O brilho da Lua.
Todas estas coisas podem ser motivo de inusual felicidade.
Todas estas coisas podem ser a tua cruz e o teu calvário.
Todas estas coisas podem ser a armadilha em que cais de bruços.
Todas estas coisas podem inclusivamente não ser nada.
Nada de nada, irmão.

Referências:

BOTAS, Víctor. Conatos de felicidad. In: MAGALHÃES, Joaquim Manuel (Seleção e Tradução). Poesia espanhola de agora. Edição Bilíngue. Posfácio de José Ángel Cilleruelo. Lisboa (PT): Relógio D’Água, 1997. p. 118 (esp.) e p. 119 (port.).

BORGES, Jorge Luis. Elogio da sombra. Um leitor. 2. ed. Tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques. São Paulo: Globo, 2001.

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