A felicidade, o que será? A capa da revista “Época”
desta semana estampa a seguinte manchete: “Compre experiências, não coisas.
Esqueça o carro novo ou aquele celular bacana. Novas pesquisas comprovam:
investir nos bons momentos da vida traz mais felicidade”.
Nada há de novo no conteúdo da revista,
pois já há anos livros que tratam da matéria retratam a mesma ideia: é melhor
você ter uma experiência relevante e positiva, por exemplo, viajar até a
Europa, do que dar-se de presente aquele produto caro que não terá o condão de
manter o seu estado feliz por mais de alguns dias e nunca mais.
Experiências perduram por toda a vida,
e é esse o sentido daquilo que se deve buscar: marcas indeléveis no córtex que
sejam capazes de, a cada vez que relembradas, produzirem estados felizes, como
se estivessem sendo vivenciadas naquele exato momento.
O poeta espanhol Víctor Botas, no poema
que transcrevemos neste momento, revela, no rastro de sua poesia, uma enorme capacidade
para aperceber-se dos momentos simples da vida, que bem podem ser o céu ou o
inferno, ou mesmo nada, como ceticamente dá traços finais à sua criação.
Particularmente, deleitei-me quando
menciona as leituras como fonte de prazer e felicidade. Os livros, é verdade,
são mananciais de memórias inextinguíveis e, certamente, bens a que podemos
recorrer a cada vez que a vida transita por suas noites invernais. Octavio Paz,
Pessoa, Hesse... Há coisa melhor? A literatura como felicidade!
Aliás, de repente, não mais que de repente, vieram-me à mente as palavras do escritor argentino Jorge Luis Borges (2001, p. 79-80), acerca de suas leituras: “Que outros se jactem das páginas que escreveram; a mim me orgulham as que li. [...] A tarefa que empreendo é ilimitada e há de acompanhar-me até o fim, não menos misteriosa que o universo e que eu, o aprendiz”.
Aliás, de repente, não mais que de repente, vieram-me à mente as palavras do escritor argentino Jorge Luis Borges (2001, p. 79-80), acerca de suas leituras: “Que outros se jactem das páginas que escreveram; a mim me orgulham as que li. [...] A tarefa que empreendo é ilimitada e há de acompanhar-me até o fim, não menos misteriosa que o universo e que eu, o aprendiz”.
J.A.R. – H.C.
Víctor Botas
(1945-1994)
Conatos de Felicidade
Las páginas de un
libro de Baroja
a la sombra de un
árbol,
en verano.
Un poema de Octavio
Paz, de Larkin, de Pessoa,
o de mi amigo d’Ors,
en la cama de un tren
Madrid-París.
La joven que recorre
la mañana y las
calles, con las olas
bramándole en los
ojos.
Mis hijos en la playa
de Salinas, tan contentos,
jugando con la arena.
La solitaria rosa que
se enciende,
húmeda y temeraria,
en un jardín
cualquiera de la tarde.
La curiosa mirada de
los viejos.
El brillo de la Luna.
Todas estas cosas
pueden ser motivo de rara felicidad.
Todas estas cosas
pueden ser tu cruz y tu calvario.
Todas estas cosas
pueden ser la trampa en la que caes de bruces.
Todas estas cosas
pueden incluso no ser nada.
Nada de nada,
hermano.
Le Déjeuner des Canotiers
Pierre A. Renoir
(1841-1919)
Tentativas de Felicidade
As páginas de um
livro de Baroja
à sombra de uma
árvore
no verão
Um poema de Octávio
Paz, de Larkin, de Pessoa
ou do meu amigo d’Ors.
na cama de um comboio
Madrid-Paris.
A jovem que percorre
a manhã e as ruas,
com as ondas
retumbando nos seus
olhos.
Os meus filhos na
praia de Salinas, tão felizes,
brincando com a
areia.
A rosa solitária que
se ilumina,
úmida e temerária,
num jardim qualquer
da tarde.
O curioso olhar dos
velhos.
O brilho da Lua.
Todas estas coisas
podem ser motivo de inusual felicidade.
Todas estas coisas
podem ser a tua cruz e o teu calvário.
Todas estas coisas
podem ser a armadilha em que cais de bruços.
Todas estas coisas
podem inclusivamente não ser nada.
Nada de nada, irmão.
Referências:
BOTAS, Víctor. Conatos de felicidad. In:
MAGALHÃES, Joaquim Manuel (Seleção e Tradução). Poesia espanhola de agora. Edição Bilíngue. Posfácio de José Ángel
Cilleruelo. Lisboa (PT): Relógio D’Água, 1997. p. 118 (esp.) e p. 119 (port.).
BORGES, Jorge Luis. Elogio da sombra. Um leitor. 2. ed. Tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques. São Paulo: Globo, 2001.
BORGES, Jorge Luis. Elogio da sombra. Um leitor. 2. ed. Tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques. São Paulo: Globo, 2001.
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