Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Francisco Mangabeira – No Dia de Reis

Hoje, Dia de Reis, postamos o derradeiro poema relativo às festas da virada de 2014 a 2015. Esperamos que a seleção de poemas que fizemos para o deleite dos internautas, nos últimos trinta dias ou mais, tenha agradado, quando não a todos, pelo menos à maioria.

Do mesmo modo, lá pelos fins deste já corrente 2015, voltaremos a postar outros poemas com temática similar, e como sempre, inéditos nestas paragens.

Entrementes  digo melhor, nos próximos dias e meses nosso bloguinho continuará pela trilha das epifanias a que a literatura é capaz de nos levar. Quem viver, verá!

J.A.R. – H.C. 
Francisco Mangabeira
(1879-1904)

Francisco Mangabeira. Nasceu em 1879, morrendo em 1904. Publicou: Hostiário, Tragédia Épica, Últimas Poesias, As Visões de Santa Teresa. Incluído no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, por Andrade Muricy (HADDAD, 1960, p. 259).

A Adoração dos Magos
(Luca Cambiaso: 1527-1585)

No Dia de Reis

Foi no dia de reis, à noite, que da lua
Eles vieram, tomando a estrada de São Tiago,
A esta minha choupana esburacada e nua.
Onde vivo a cismar como a garça no lago.
Cavalgavam corcéis com arreios de chamas...

As rédeas eram como os raios, as esporas
Estrelas, e os reais mantos de áureas escamas
Eram três céus azuis com três lindas auroras...

O primeiro dos reis era da cor da neve...
Trazia um céu no olhar, e outro no pensamento...
Boca de rosa rubra, onde um sorriso breve
Fremia como um lírio à carícia do vento.

Tinha à destra, da cor dos blocos de alabastro.
Um ramo de jasmins, crenças e borboletas...
A guiá-lo, no céu resplandecia um astro...
E embaixo de seus pés nasciam violetas...

Rindo-se, o altivo rei beijou meus pés de escravo,
E, depois, como um Deus das mais remotas eras,
Desfolhou sobre mim, impassível e bravo.
Um ramalhete ideal de sonhos e quimeras.

Então vi muito além palácios de esmeraldas,
Onde eu andava envolto em clâmides radiantes,
Com pérolas, rubins e prásios em grinaldas
E ígneas constelações de oiro e diamantes.

Fadas celestiais de olhos meigos e castos
Fitavam-me, e eu então, em glória sobre-humana,
Lambia-lhes com fúria os seus cabelos bastos
E os rostos de marfim, nácar e porcelana.

Cavalgando depois uma águia luminosa,
Subia para o céu, num cortejo de estrelas...
E o firmamento era uma estrada vitoriosa.
De que os astros a arder eram as sentinelas.

Eu ia pelo azul de espada e manto solto.
Gorro de fogo e sóis a faiscar na fronte
Onde, a resplandecer, meu cabelo revolto
Derramava clarões de horizonte a horizonte.

E eu seguia, canções e hinos escutando.
Enquanto no infinito e sideral tesoiro
Lindas constelações iam desabrochando
Como a iluminação das avenidas de oiro.

Mas depois o outro rei, saltando do ginete,
Beijou as minhas mãos de pobre com humildade...
E depondo no chão o cetro e o capacete.
Entornou em minh’alma o incenso da vaidade.

E então eu desejei ser grande como o espaço
Que cansa o furacão e a tempestade acalma...
Trazer os homens a tremer sob o meu braço,
E os corações a palpitar pela minh’alma.

E fui-me a batalhar por mais ignotos mundos...
Venci todos os reis que achei no meu caminho...
Atravessei pauis, serras e mares fundos.
Tranquilo, indiferente, impávido e sozinho!

E sorri-me, orgulhoso... Então o rei terceiro
Que era negro, da cor da morte e da miséria,
Queimou a mirra, e eu vi o mundo traiçoeiro
No qual apenas sou um pouco da matéria.

Meu Jesus, como tu, que foste rei um dia,
E que deles tiveste a grata vassalagem
Também eu, no país de minha fantasia,
Já tive de outros reis o gesto de homenagem.

E como tu suporto as irrisões do fado,
E depois de ser rei e ter vitória imensa.
Hoje estou a morrer, hirto e crucificado
No madeiro do mal, do vício e da descrença...

Mas tu ressuscitaste entre hinos de alegria,
Sob a luz triunfal da vastidão aerena...
Tu tiveste o luar dos olhos de Maria
E o glorioso arrebol do olhar de Madalena...

No entanto o meu mal é infindo e sem remédio.
Da descrença pregado à grande cruz maldita.
Sinto esvoaçando em torno os abutres do tédio...
E quem perdeu a fé, como é que ressuscita?

Um tchauzinho até o próximo Natal

Referência:

MANGABEIRA, Francisco. No dia de reis. In: HADDAD, Jamil Almansur (seleção, tradução e notas). Noite santa: antologia de poemas de Natal. São Paulo: Autores Reunidos, 1960. p. 261-263.

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