Hoje, Dia de Reis, postamos o derradeiro poema relativo às festas da
virada de 2014 a 2015. Esperamos que a seleção de poemas que fizemos para o
deleite dos internautas, nos últimos trinta dias ou mais, tenha agradado, quando
não a todos, pelo menos à maioria.
Do mesmo modo, lá pelos fins deste já corrente 2015, voltaremos a postar
outros poemas com temática similar, e como sempre, inéditos nestas paragens.
Entrementes – digo melhor, nos próximos dias e meses – nosso bloguinho continuará pela trilha das epifanias a que a literatura é capaz de nos levar. Quem viver, verá!
Entrementes – digo melhor, nos próximos dias e meses – nosso bloguinho continuará pela trilha das epifanias a que a literatura é capaz de nos levar. Quem viver, verá!
J.A.R. – H.C.
Francisco Mangabeira
(1879-1904)
Francisco Mangabeira. Nasceu em 1879,
morrendo em 1904. Publicou: Hostiário, Tragédia Épica, Últimas Poesias, As
Visões de Santa Teresa. Incluído no Panorama do Movimento Simbolista
Brasileiro, por Andrade Muricy (HADDAD, 1960, p. 259).
A Adoração dos Magos
(Luca Cambiaso:
1527-1585)
No Dia de Reis
Foi no dia de reis, à
noite, que da lua
Eles vieram, tomando
a estrada de São Tiago,
A esta minha choupana
esburacada e nua.
Onde vivo a cismar
como a garça no lago.
Cavalgavam corcéis
com arreios de chamas...
As rédeas eram como
os raios, as esporas
Estrelas, e os reais
mantos de áureas escamas
Eram três céus azuis
com três lindas auroras...
O primeiro dos reis
era da cor da neve...
Trazia um céu no
olhar, e outro no pensamento...
Boca de rosa rubra,
onde um sorriso breve
Fremia como um lírio
à carícia do vento.
Tinha à destra, da cor
dos blocos de alabastro.
Um ramo de jasmins,
crenças e borboletas...
A guiá-lo, no céu
resplandecia um astro...
E embaixo de seus pés
nasciam violetas...
Rindo-se, o altivo
rei beijou meus pés de escravo,
E, depois, como um
Deus das mais remotas eras,
Desfolhou sobre mim,
impassível e bravo.
Um ramalhete ideal de
sonhos e quimeras.
Então vi muito além
palácios de esmeraldas,
Onde eu andava
envolto em clâmides radiantes,
Com pérolas, rubins e
prásios em grinaldas
E ígneas constelações
de oiro e diamantes.
Fadas celestiais de
olhos meigos e castos
Fitavam-me, e eu
então, em glória sobre-humana,
Lambia-lhes com fúria
os seus cabelos bastos
E os rostos de
marfim, nácar e porcelana.
Cavalgando depois uma
águia luminosa,
Subia para o céu, num
cortejo de estrelas...
E o firmamento era
uma estrada vitoriosa.
De que os astros a
arder eram as sentinelas.
Eu ia pelo azul de
espada e manto solto.
Gorro de fogo e sóis
a faiscar na fronte
Onde, a resplandecer,
meu cabelo revolto
Derramava clarões de
horizonte a horizonte.
E eu seguia, canções
e hinos escutando.
Enquanto no infinito
e sideral tesoiro
Lindas constelações
iam desabrochando
Como a iluminação das
avenidas de oiro.
Mas depois o outro
rei, saltando do ginete,
Beijou as minhas mãos
de pobre com humildade...
E depondo no chão o
cetro e o capacete.
Entornou em minh’alma
o incenso da vaidade.
E então eu desejei
ser grande como o espaço
Que cansa o furacão e
a tempestade acalma...
Trazer os homens a
tremer sob o meu braço,
E os corações a
palpitar pela minh’alma.
E fui-me a batalhar
por mais ignotos mundos...
Venci todos os reis
que achei no meu caminho...
Atravessei pauis,
serras e mares fundos.
Tranquilo,
indiferente, impávido e sozinho!
E sorri-me,
orgulhoso... Então o rei terceiro
Que era negro, da cor
da morte e da miséria,
Queimou a mirra, e eu
vi o mundo traiçoeiro
No qual apenas sou um
pouco da matéria.
Meu Jesus, como tu,
que foste rei um dia,
E que deles tiveste a
grata vassalagem
Também eu, no país de
minha fantasia,
Já tive de outros
reis o gesto de homenagem.
E como tu suporto as
irrisões do fado,
E depois de ser rei e
ter vitória imensa.
Hoje estou a morrer,
hirto e crucificado
No madeiro do mal, do
vício e da descrença...
Mas tu ressuscitaste
entre hinos de alegria,
Sob a luz triunfal da
vastidão aerena...
Tu tiveste o luar dos
olhos de Maria
E o glorioso arrebol
do olhar de Madalena...
No entanto o meu mal
é infindo e sem remédio.
Da descrença pregado
à grande cruz maldita.
Sinto esvoaçando em
torno os abutres do tédio...
E quem perdeu a fé,
como é que ressuscita?
Um tchauzinho até o próximo Natal
Referência:
MANGABEIRA, Francisco. No dia de reis.
In: HADDAD, Jamil Almansur (seleção, tradução e notas). Noite santa: antologia de poemas de Natal. São Paulo: Autores
Reunidos, 1960. p. 261-263.
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