O poeta e novelista espanhol José María Alvares sintetiza, no poema em
epígrafe, extraído de sua obra “Museo de Cera”, aquilo que sob a sua visão
corresponde à beleza contemporânea.
Em determinada noite, muito provavelmente passada em Nova York,
assomou-lhe ‘insights’ estéticos no domínio de várias artes, como a própria
literatura – quando faz menção a Goethe, Pound, Borges –; a arquitetura – o arranha-céu
‘Chrysler Building’ na ‘Big Apple’ –; o ‘bel
canto’, em performances marcantes de Renata Scotto e Carlo Bergonzi, em ‘Rigoletto’
de Verdi –; e por aí vai.
Imerso sob tanta beleza e prazer, espera ao final cair nos braços de Morfeu,
para sonhar com reis sepultados sob montículos de conchas do mar, uma dádiva de Poseidon para a eternidade.
J.A.R. – H.C.
José María Alvarez
(n. 1942)
Belleza Contemporánea
“¿Temer tu la muerte?”
ROBERT BROWNING
“Nuevas estrellas
arden en los cielos antiguos”
RUPERT BROOKE
Gracias, Noche
amantísima,
por la perfección de
este momento.
Por la comodidad de
este sillón
que me permite
contemplarte sin que nada
distraiga mis
sentidos de tu belleza.
Por la calidad y la
temperatura de esta vodka
que ampara mi sensualidad
y la consagra mejor a ti.
Por la excelencia del
sonido de este mecanismo japonés
que me regala la
maravilla
de la Scotto y
Bergonzi en esse dúo imperecedero
del primero acto de
RIGOLETTO.
Gracias, Noche
encantada,
porque todo eso me
envuelve ante este ventanal por el que
contemplo
la seductora hermosura del Chrysler Building,
al que Tu, con tu manto
bruñido,
haces brillar
magnífico, turbador.
Este momento no es
inferior
a la sensación que
tuvo Goethe ante Sesenheim,
o Pound ante Venezia
o Borges ante
Islandia.
Gracias, Noche
narcotizadora,
gracias por
concederme la inmensidad de este momento,
por enriquecer mi
carne con este estremecimiento.
Déjame agradecértelo.
Te brindo mi placer.
Y después entro en
ti, me adormeczo, soñando
con aquellos viejos
reyes que se hacían enterrar
bajo montículos de
conchas marinas.
O Litoral
Kimberly Conrad: artista norte-americana
Beleza Contemporânea
“Temer tu a morte?”
ROBERT BROWNING
“Novas estrelas ardem
nos céus antigos”
RUPERT BROOKE
Obrigado, Noite
amantíssima,
pela perfeição deste
momento.
Pela comodidade deste
sofá
que me permite
contemplar-te sem que nada
distraia os meus
sentidos da tua beleza.
Pela qualidade e a
temperatura desta vodka
que ampara a minha
sensualidade e melhor a consagra a ti.
Pela excelência do
som deste mecanismo japonês
que me oferece a
maravilha
de Scotto e Bergonzi
nesse duo imorredouro
do primeiro ato de
RIGOLETTO.
Obrigado, Noite
encantada,
porque tudo isso me
envolve diante desta vidraça pela qual
contemplo
o sedutor encanto do
Chrysler Building
a que Tu, com o teu
comando cintilante,
fazes brilhar
magnífico, perturbador.
Este momento não é
inferior
à sensação que teve
Goethe diante de Sesenheim,
ou Pound diante de
Veneza
ou Borges diante da
Islândia.
Obrigado, Noite
narcotizante,
obrigado por me
concederes a imensidão deste momento,
por enobreceres a
minha carne com este estremecimento.
Deixa-mo
agradecer-te. Dedico-te o meu prazer.
E depois entro em ti,
adormeço, sonho
com aqueles velhos
reis que se faziam enterrar
sob montículos de
conchas marinhas.
Referência:
ALVAREZ, José María. Belleza
contemporánea. In: MAGALHÃES, Joaquim Manuel (Seleção e Tradução). Poesia espanhola de agora. Edição
Bilíngue. Posfácio de José Ángel Cilleruelo. Lisboa (PT): Relógio D’Água, 1997.
p. 62 (esp.) e p. 63 (port.).
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