Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Castro Alves – Jesuítas

Num poema cujo tema diz respeito aos jesuítas, o poeta baiano Castro Alves instila todo o seu ‘veneno’ contra os sacerdotes da Companhia de Jesus. Chama-os ‘átilas da fé’, equiparando-os ao rei dos hunos, a varrer o mundo, impondo-lhe o cristianismo. Noutra associação, qualifica-os com termos antitéticos, a saber, ‘vândalos sublimes’. Noutra, ainda, inscreve-os num bosquejo metafórico devastador: ‘batedores da matilha de Deus’.

Nesse contexto, transcrevendo um poema como tal em meu bloguinho, certamente o Papa Francisco, um jesuíta, há de me excomungar. Ou melhor, ficará com vontade de me esmurrar (rs).

Apesar disso, não deixarei de apresentá-lo em seguida, com a grafia atualizada e devidamente acompanhado de um elucidário ao seu final, para melhor compreensão de suas estrofes, extraídas das páginas de “Espumas Flutuantes”, de 1870.

Mas, em vista de tanta descortesia, quais as razões de os jesuítas serem tão mal apreciados pelo vate romântico da Terra Brasilis? Afinal, ninguém há de depreciar o trabalho por aqui desenvolvido por jesuítas renomados, como os padres José de Anchieta e Manuel da Nóbrega!

A julgar pelas concepções do Marquês de Pombal, enquanto secretário de Dom José I, rei de Portugal, tratava-se de uma autêntica companhia, no sentido econômico do termo, com o agravante de não carrear recursos para o erário luso. Daí porque se decidiu expulsá-los de Portugal e de suas colônias, o Brasil aí incluso.

Decerto, Pombal, que já havia sido diplomata em Londres, viu em terras distantes os efeitos de uma revolução industrial em pleno desencadeamento, passando então a sonhar, em seu torrão natal, com algo capaz de retirar o país do longo trânsito de quase esterilidade econômica em que se encontrava.

Pombal muito tentou e, ao final da vida, ainda teve o dissabor de contar com o desacato de Dona Maria I, a ‘Louca’, sucessora de Dom José I, que o desterrou para muitas léguas do Paço Imperial. De se observar que Dona Maria I é a mesma figura pública que, no Brasil, está em associação direta com episódios da denominada ‘Inconfidência Mineira’.

E assim fomos tão longe, que quase perdemos de vista o mote inicial da postagem: a Companhia de Jesus. Ah, a Companhia de Jesus! Criada pelo basco Inácio de Loyola, em 1534, foi reconhecida pelo Papa Paulo III, em 1540. Em meio a controvérsias e polêmicas, a Companhia foi suprimida por Clemente XIV, em 1773, e posteriormente restaurada pelo Papa Pio VI, em 1814.

Hoje, o total de seus membros mal atinge a escala dos vinte mil, embora ainda sejam influentes, com sólida formação cultural e religiosa, estando ainda presentes em várias partes do mundo, como nos EUA, onde mantêm a famosa ‘Loyola University Chicago’. Aqui em Brasília (DF), fundaram em 1975 o CCB – Centro Cultural de Brasília, no começo da avenida L2 Norte, Plano Piloto.

Tudo quanto até aqui comentado devidamente ponderado à contraluz, poderia expressar opinião pessoal sobre o que extraio a cada vez que entro em contato com um padre da ordem jesuítica, seja escutando suas prédicas, seja em conversa direta: por trás de um saber muito bem concatenado em ideias e fatos, se encontram palavras a expressar apoio preferencial sobre o secular, antes que o puramente religioso ou o metafísico, como se queira; ou por outra, mais o social que o pio. Por vezes, imagino que os jesuítas sejam menos radicais ao abraçar os dogmas da Igreja, o que lhes permite transitar mais francamente num diálogo inter-religioso com outros credos, não sei bem ao certo.

Agora um ponto final neste comento, para sugerir um filme relacionado ao tema: ‘The Mission’ (‘A Missão’), direção de Roland Joffé, Palma de Ouro em Cannes (1986), com Jeremy Irons, Robert de Niro e Liam Neeson. A película retrata as dissensões durante as missões jesuíticas no sul do Brasil. Menção particular à primorosa cena inicial, na qual o ator Jeremy Irons, como o padre Gabriel, toca pífano próximo a uma das 275 quedas das Cataratas do Iguaçu.

J.A.R. – H.C.

Castro Alves
(1847-1871)

Jesuítas
(Século XVIII)

Ó mês frères, je viens vous apporter mon Dieu,
Je viens vous apporter ma tête! (*)
(Les Châtiments)
Victor Hugo

Quando o vento da Fé soprava Europa.
Como o tufão que impele ao ar a troça
Das águias, que pousavam no alcantil;
Do zimbório de Roma – a ventania
O bando dos Apóst’los sacudia
Aos cerros do Brasil.

Tempos idos! Extintos luzimentos!
O pó da catequese aos quatro ventos
Revoava nos céus...
Floria após na Índia ou na Tartária,
No Mississipi, no Peru, na Arábia
Uma palmeira – Deus!

O navio maltês, do Látio a vela,
A Lusa nau, as quinas de Castela,
Do Holandês a galé
Lavavam sem saber ao mundo inteiro
Os vândalos sublimes do cordeiro,
Os átilas da fé.

Onde ia aquela nau? – Ao Oriente.
A outra? – Ao Pólo. A outra? – Ao Ocidente.
         Outra? – Ao Norte. Outra? – Ao Sul.
E o que buscava? A foca além do pólo;
O âmbar, o cravo no indiano solo.
         Mulheres em Istambul.

Ouro – na Austrália; pedras – em Misora!...
“Mentira! respondia em voz canora
         O filho de Jesus...
“Pescadores!... nós vamos no mar fundo
Pescar almas p’ra o Cristo em todo mundo,
         Com um anzol – a cruz!”

Homens de ferro! Mal na vaga fria
Colombo ou Gama um trilho descobria
Do mar nos escarcéus,
Um padre atravessava os equadores,
Dizendo: “Gênios!... sois os batedores
Da matilha de Deus”.

Depois as solidões surpresas viam
Esses homens inermes, que surgiam
Pela primeira vez.
E a onça recuando s’esgueirava
Julgando o crucifixo... alguma clava
Invencível talvez!

O martírio, o deserto, o cardo, o espinho
A pedra, a serpe do sertão manino,
A fome, o frio, a dor,
Os insetos, os rios, as lianas,
Chuvas, miasmas, setas e savanas,
Horror e mais horror...

Nada turbava aquelas frontes calmas,
Nada curvava aquelas grandes almas
Voltadas p’ra amplidão...
No entanto eles só tinham na jornada
Por couraça – a sotaina esfarrapada...
E uma cruz – por bordão.

Um dia a taba do Tupi selvagem
Tocava alarma... embaixo da folhagem
Rangera estranho pé...
O caboclo da rede ao chão saltava,
A seta ervada o arco recurvava...
Estrugia o boré.

E o tacape brandindo, a tribo fera
De um tigre ou de um jaguar ficava à espera
Com gesto ameaçador...
Surgia então no meio do terreiro
O padre calmo, santo, sobranceiro,
O Piaga do amor.

Quantas vezes então sobre a fogueira,
Aos estalos sombrios da madeira,
Entre o fumo e a luz...
A voz do mártir murmurava ungida:
“Irmãos! Eu vim trazer-vos – minha vida...
Vim trazer-vos – Jesus!”

Grandes homens! Apóstolos heroicos!...
Eles diziam mais do que os estoicos:
“Dor – tu és um prazer!
Grelha – és um leito! Brasa – és uma gema!
Cravo – és um cetro! Chama – um diadema!
Ó morte – és o viver!”

Outras vezes no eterno itinerário
O sol, que vira um dia no Calvário
Do Cristo a santa cruz;
Enfiava de vir achar nos Andes
A mesma cruz, abrindo os braços grandes
Aos índios rubros, nus.

Eram eles que o verbo do Messias
Pregavam desde o vale às serranias,
Do Pólo ao Equador...
E o Niágara ia contar aos mares...
E o Chimborazo arremessava aos ares
O nome do Senhor!...


Elucidário:

(*) Ó meus irmãos, trago-vos meu Deus, / Trago-vos minha cabeça! (Os Castigos).
Alcantil – Despenhadeiro.
Zimbório – Parte externa e superior da cúpula de grandes igrejas, como a de São Pedro, em Roma; domo.
Maltês – Originário da ilha de Malta.
Cerro – Colina pouco elevada, outeiro.
Lácio – Referência à Itália; no original do autor, Látio.
Castela – Referência à Espanha.
Galé – Galera; forma de embarcação antiga.
Misora – Cidade e estado da Índia meridional.
Liana – Grande trepadeira, cipoal.
Manino – Estéril, infecundo.
Boré – Trombeta de taquara empregada pelos indígenas em suas danças.
Piaga – Pajé.
Chimborazo – Vulcão atualmente inativo localizado no Equador.

Referência:

ALVES, Castro. Jesuítas. In: __________. Poesias completas: espumas flutuantes. v. II. Nota Biográfica e Revisão de Bandeira Duarte. Rio de Janeiro: Spiker, 1967. p. 66-69.

3 comentários:

  1. ola boa noite... esse Poema do Vate baiano Castro Alves qualquer que seja o sentido (figurado ou não, dos Jesuítas) é um monstruoso poema. Pensar que ele foi escrito quando o autor tinha apenas 21 anos, é ainda mais espantoso. Eu adoro esse poema. Não o coloco entre os cinco maiores dele, onde coloco: "O Livro e a América", "Mocidade e Morte", "Os Anjos da Meia-noite", "O Navio Negreiro" e "O Hóspede", esse um suprassumo da poesia castroalvesca. Adoro esse poema feito no estertor de sua vida... Mas Os Jesuítas é fabuloso!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Prezado(a): certamente, o poema é de uma lírica bem expressiva, por isso mesmo, entre os mais relevantes da obra poética de Castro Alves.
      João A. Rodrigues

      Excluir