Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Sylvia Plath - Gralha Negra em Tempo Chuvoso

Entre o cético e o esperançoso, o tédio quotidiano e o desejo por momentos de transcendência, o olhar da falante se abre aos ensejos das pequenas epifanias que povoam os cenários mais monótonos ou ruinosos – reflexos do aparente estado de impassibilidade do cosmos –, outorgando-lhes uma dignidade inesperada, eis que plasmados em timbres de sentidos, de beleza “e, até mesmo, de amor”.

 

“Milagres acontecem”, diz-nos a poetisa: nesses fortuitos instantes de graça, fica-se curado de qualquer enfermidade de que se padeça, quando se tem a oportunidade de imergir, com certo influxo de precedência, nas águas agitadas pelo anjo do Senhor em “raras e imprevisíveis” ocasiões (Jo 5:4), hipótese a facultar a remição do espírito pelo escape ao gélido e paralisante temor da “completa neutralidade”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Sylvia Plath

(1932-1963)

 

Black Rook in Rainy Weather

 

On the stiff twig up there

Hunches a wet black rook

Arranging and rearranging its feathers in the rain.

I do not expect a miracle

Or an accident

 

To set the sight on fire

In my eye, nor seek

Any more in the desultory weather some design,

But let spotted leaves fall as they fall

Without ceremony, or portent.

 

Although, I admit, I desire,

Occasionally, some backtalk

From the mute sky, I can’t honestly complain:

A certain minor light may still

Lean incandescent

 

Out of kitchen table or chair

As if a celestial burning took

Possession of the most obtuse objects now and then –

Thus hallowing an interval

Otherwise inconsequent

 

By bestowing largesse, honor

One might say love. At any rate, I now walk

Wary (for it could happen

Even in this dull, ruinous landscape); sceptical

Yet politic, ignorant

 

Of whatever angel any choose to flare

Suddenly at my elbow. I only know that a rook

Ordering its black feathers can so shine

As to seize my senses, haul

My eyelids up, and grant

 

A brief respite from fear

Of total neutrality. With luck,

Trekking stubborn through this season

Of fatigue, I shall

Patch together a content

 

Of sorts. Miracles occur.

If you care to call those spasmodic

Tricks of radiance miracles. The wait’s begun again,

The long wait for the angel,

For that rare, random descent.

 

In: “Poems” (1956-1963)

 

A gralha

(Sean Conlon: artista irlandês)

 

Gralha Negra em Tempo Chuvoso

 

No rígido galho, lá em cima,

Arqueia-se uma gralha negra toda molhada

Alinhando e realinhando as suas penas sob a chuva.

Não espero por um milagre

Ou um fortuito acaso

 

Que inflame a visão

Em meus olhos, nem mais procuro,

Nesse clima inconstante, algum desígnio;

Apenas deixo que as folhas manchadas caiam como caem,

Sem cerimônia ou presságio.

 

Embora admita que, vez por outra,

Deseje alguma resposta insolente

Do emudecido firmamento, sinceramente não posso reclamar:

Uma certa luz tênue pode ainda projetar-se,

Incandescente,

 

Da mesa ou da cadeira da cozinha,

Como se uma chama celeste se apoderasse,

Ocasionalmente, dos objetos mais inertes –

Santificando, assim, um lapso de tempo que,

De outro modo, seria irrelevante,

 

Ao conceder-lhe generosidade, honra

E, quem sabe, amor. Em todo caso, agora sigo

Previdente (pois um evento inesperado poderia se dar

Mesmo nesta paisagem monótona e ruinosa); cética,

Mas com reservas, pois que dessabendo

 

De qualquer anjo que possa surgir repentinamente

Ao meu lado. Sei apenas que uma gralha,

Ao alinhar as suas negras penas, pode reluzir,

De tal modo a dominar meus sentidos, erguer

Minhas pálpebras e conceder-me

 

Uma breve trégua no temor

À completa neutralidade. Com sorte,

Trilhando com obstinação por esta estação

Do cansaço, poderei

Coligir um conteúdo

 

De diversos gêneros. Milagres ocorrem,

Caso se queira chamar esses vislumbres

Espasmódicos de milagres radiantes. A espera começou

Outra vez, a longa espera pelo anjo,

Por aquela descida rara e imprevisível.

 

Em: “Poemas” (1956-1963)

 

Referência:

 

PLATH, Sylvia. Black rook in rainy weather. In: __________. The collected poems of Sylvia Plath. Edited by Ted Hughes. New York, NY: Harper & Row Publishers, 1981. p. 56-57.

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário