Entre o cético e o
esperançoso, o tédio quotidiano e o desejo por momentos de transcendência, o
olhar da falante se abre aos ensejos das pequenas epifanias que povoam os
cenários mais monótonos ou ruinosos – reflexos do aparente estado de impassibilidade
do cosmos –, outorgando-lhes uma dignidade inesperada, eis que plasmados em timbres
de sentidos, de beleza “e, até mesmo, de amor”.
“Milagres acontecem”,
diz-nos a poetisa: nesses fortuitos instantes de graça, fica-se curado de qualquer
enfermidade de que se padeça, quando se tem a oportunidade de imergir, com
certo influxo de precedência, nas águas agitadas pelo anjo do Senhor em “raras
e imprevisíveis” ocasiões (Jo 5:4), hipótese a facultar a remição do espírito
pelo escape ao gélido e paralisante temor da “completa neutralidade”.
J.A.R. – H.C.
Sylvia Plath
(1932-1963)
On the stiff twig up there
Hunches a wet black rook
Arranging and rearranging its feathers in the rain.
I do not expect a miracle
Or an accident
To set the sight on fire
In my eye, nor seek
Any more in the desultory weather some design,
But let spotted leaves fall as they fall
Without ceremony, or portent.
Although, I admit, I desire,
Occasionally, some backtalk
From the mute sky, I can’t honestly complain:
A certain minor light may still
Lean incandescent
Out of kitchen table or chair
As if a celestial burning took
Possession of the most obtuse objects now and then
–
Thus hallowing an interval
Otherwise inconsequent
By bestowing largesse, honor
One might say love. At any rate, I now walk
Wary (for it could happen
Even in this dull, ruinous landscape); sceptical
Yet politic, ignorant
Of whatever angel any choose to flare
Suddenly at my elbow. I only know that a rook
Ordering its black feathers can so shine
As to seize my senses, haul
My eyelids up, and grant
A brief respite from fear
Of total neutrality. With luck,
Trekking stubborn through this season
Of fatigue, I shall
Patch together a content
Of sorts. Miracles occur.
If you care to call those spasmodic
Tricks of radiance miracles. The wait’s begun
again,
The long wait for the angel,
For that rare, random descent.
In: “Poems”
(1956-1963)
A gralha
(Sean Conlon: artista
irlandês)
Gralha Negra em Tempo Chuvoso
No rígido galho, lá em cima,
Arqueia-se uma gralha negra toda
molhada
Alinhando e realinhando as suas
penas sob a chuva.
Não espero por um milagre
Ou um fortuito acaso
Que inflame a visão
Em meus olhos, nem mais procuro,
Nesse clima inconstante, algum
desígnio;
Apenas deixo que as folhas
manchadas caiam como caem,
Sem cerimônia ou presságio.
Embora admita que, vez por outra,
Deseje alguma resposta insolente
Do emudecido firmamento, sinceramente
não posso reclamar:
Uma certa luz tênue pode ainda projetar-se,
Incandescente,
Da mesa ou da cadeira da cozinha,
Como se uma chama celeste se
apoderasse,
Ocasionalmente, dos objetos mais
inertes –
Santificando, assim, um lapso de
tempo que,
De outro modo, seria irrelevante,
Ao conceder-lhe generosidade,
honra
E, quem sabe, amor. Em todo caso,
agora sigo
Previdente (pois um evento inesperado
poderia se dar
Mesmo nesta paisagem monótona e
ruinosa); cética,
Mas com reservas, pois que dessabendo
De qualquer anjo que possa surgir
repentinamente
Ao meu lado. Sei apenas que uma
gralha,
Ao alinhar as suas negras penas,
pode reluzir,
De tal modo a dominar meus
sentidos, erguer
Minhas pálpebras e conceder-me
Uma breve trégua no temor
À completa neutralidade. Com
sorte,
Trilhando com obstinação por esta
estação
Do cansaço, poderei
Coligir um conteúdo
De diversos gêneros. Milagres ocorrem,
Caso se queira chamar esses vislumbres
Espasmódicos de milagres
radiantes. A espera começou
Outra vez, a longa espera pelo
anjo,
Por aquela descida rara e
imprevisível.
Em: “Poemas” (1956-1963)
Referência:
PLATH, Sylvia. Black rook
in rainy weather. In: __________. The collected poems of Sylvia Plath.
Edited by Ted Hughes. New York, NY: Harper & Row Publishers, 1981. p.
56-57.



Nenhum comentário:
Postar um comentário