O fim do ano se
aproxima e o poeta sente-se sozinho e desalegre com o fato de ter que tomar os
medicamentos que lhe recomendam a idade, em vez de brindar a passagem, para
mais um giro à volta do sol, com o seu amigo próximo Lu-Cheng: não estranhe o
leitor que o poema sugira uma conexão entre dois homens, pois que semelhantes
manifestações de apreço eram bastante comuns na poesia clássica chinesa, ao
longo da qual amizades profundas e leais eram intensamente celebradas.
Veja-se que já há
séculos as pessoas costumam imergir numa mistura complexa de emoções conforme o
ano chega a termo, talvez como consequência de fatores psicológicos, sociais ou
culturais diversos. E – enfatize-se – tanto mais recentemente, em consequência
do modo idealizado como a mídia e a publicidade retratam o trânsito, induzindo
a que muitos, por simples comparação, incorram em sentimentos de inadequação ou
de tristeza.
J.A.R. – H.C.
Po Chü-yi
(772-846)
A Lu-Cheng, na
passagem do ano
Esta noite, sentado
junto a tochas acesas, levas a taça aos lábios,
Enquanto eu, triste,
no leito, tomo os meus remédios, como ceia.
Basta uma noite
gemendo sobre o travesseiro para adoecer alguém.
Uma boa festa em
casa, seria melhor que qualquer médico.
Amanhã, esteja eu
são, esteja eu doente, deixa tua morada,
Vem reunir-te a mim.
Sem ti não haverá festa, nem alegria.
Retrato de um velho
bebendo sozinho
(Lucian Bistreanu: artista
romeno)
Referência:
CHÜ-YI, Po. A Lu-Cheng, na passagem do ano. Tradução de A. B. Mendes Cadaxa. In: CADAXA, A. B. Mendes (Seleção, tradução e notas). Escadaria de jade: antologia de poesia chinesa (século XII a.C. - século XIII). Rio de Janeiro, RJ: Graphia, 1998. p. 80.



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