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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Murilo Mendes - Poema do fanático

A obsessão do adjetivado “fanático” não é outra senão a ideia fixa e quase religiosa do falante por sua amada, um amor tão intenso que o embriaga mais que qualquer droga ou bebida alcóolica: essa relação apaixonada – cega e absoluta, ardente e radical –, mantém-no enfermiço, dando ensejo a certa incompreensão e a um juízo social que o isola e o segrega ainda mais.

 

Trata-se de uma experiência amorosa tão intensa que leva o sujeito lírico a transcender a mera temporalidade, desafiando os limites da racionalidade, aproximando-o de um estado de loucura. Nessa busca de plena fusão, de pacto unitário com a amada, o esforço então empreendido poderia resultar na consumação e na aniquilação total de ambos, circunstância que põe em questão se tal entrega corresponde a uma expressão máxima da liberdade ou se, ao contrário, representa a completa perda de si mesmo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Murilo Mendes

(1901-1975)

 

Poema do fanático

 

Não bebo álcool, não tomo ópio nem éter,

sou o embriagado de ti e por ti.

Mil dedos me apontam na rua:

eis o homem que é fanático por uma mulher.

 

Tua ternura e tua crueldade são iguais diante de mim

porque eu amo tudo o que vem de ti.

Amo-te na tua miséria e na tua glória

e te amaria mais ainda se sofresses muito mais.

 

Caíste em fogo na minha vida de rebelado.

Sou insensível ao tempo – porque tu existes.

Eu sou fanático da tua pessoa,

da tua graça, do teu espírito, do aparelhamento da tua vida.

Eu quisera formar uma unidade contigo

e me extinguir violentamente contigo na febre da minha,

da tua, da nossa poesia.

 

O fanático

(Maximilian Klewer: pintor alemão)

 

Referência:

 

MENDES, Murilo. Poema do fanático. In: FERRAZ, Eucanaã (Organização e Prefácio). Veneno antimonotonia: os melhores poemas e canções contra o tédio. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2005. p. 203.

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