A obsessão do adjetivado “fanático” não é outra senão a ideia fixa e quase religiosa do falante por sua
amada, um amor tão intenso que o embriaga mais que qualquer droga ou bebida
alcóolica: essa relação apaixonada – cega e absoluta, ardente e radical –, mantém-no
enfermiço, dando ensejo a certa incompreensão e a um juízo social que o isola e
o segrega ainda mais.
Trata-se de uma
experiência amorosa tão intensa que leva o sujeito lírico a transcender a mera
temporalidade, desafiando os limites da racionalidade, aproximando-o de um
estado de loucura. Nessa busca de plena fusão, de pacto unitário com a amada, o
esforço então empreendido poderia resultar na consumação e na aniquilação total
de ambos, circunstância que põe em questão se tal entrega corresponde a uma
expressão máxima da liberdade ou se, ao contrário, representa a completa perda
de si mesmo.
J.A.R. – H.C.
Murilo Mendes
(1901-1975)
Poema do fanático
Não bebo álcool, não
tomo ópio nem éter,
sou o embriagado de
ti e por ti.
Mil dedos me apontam
na rua:
eis o homem que é
fanático por uma mulher.
Tua ternura e tua
crueldade são iguais diante de mim
porque eu amo tudo o
que vem de ti.
Amo-te na tua miséria
e na tua glória
e te amaria mais
ainda se sofresses muito mais.
Caíste em fogo na minha
vida de rebelado.
Sou insensível ao
tempo – porque tu existes.
Eu sou fanático da
tua pessoa,
da tua graça, do teu
espírito, do aparelhamento da tua vida.
Eu quisera formar uma
unidade contigo
e me extinguir
violentamente contigo na febre da minha,
da tua, da nossa
poesia.
O fanático
(Maximilian Klewer:
pintor alemão)
Referência:
MENDES, Murilo. Poema
do fanático. In: FERRAZ, Eucanaã (Organização e Prefácio). Veneno
antimonotonia: os melhores poemas e canções contra o tédio. Rio de Janeiro,
RJ: Objetiva, 2005. p. 203.
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