Eis uma autêntica
elegia pelo sagrado, cuja essência tem-se desvanecido, progressivamente, em
meio ao ruído e à agitação da vida contemporânea, desconectando as festas
religiosas de suas prístinas origens, fundamentos e significados espirituais, para
convertê-las em oportunidades de consumo, entretenimentos e frivolidades.
O fenômeno da secularização e da supressão dos princípios devotos vão a par com a superficialidade com que as gerações recentes se entregam aos prazeres mais mundanos, dando ensejo a contrastes discordes ao longo desta quadra natalina – desde os seus exórdios vocacionada à renovação da esperança em um mundo melhor, ao fortalecimento da fé, em suma, à conexão com o divino.
J.A.R. – H.C.
Carlos Drummond de
Andrade
(1902-1987)
O que fizeram do
Natal
Natal.
O sino longe toca
fino.
Não tem neves, não
tem gelos.
Natal.
Já nasceu o deus
menino.
As beatas foram ver,
encontraram o
coitadinho
(Natal)
mais o boi mais o
burrinho
e lá em cima
a estrelinha
alumiando.
Natal.
As beatas ajoelharam
e adoraram o deus
nuzinho
mas as filhas das
beatas
e os namorados das
filhas,
mas as filhas das beatas
foram dançar black-bottom
nos clubes sem
presépio.
Em: “Alguma poesia”
(1930)
Dançando o black-bottom
(Beryl Cook: pintora
inglesa)
Referência:
ANDRADE, Carlos Drummond. O que fizeram do Natal. In: __________. Receita de ano-novo. Concepção e seleção de Pedro Augusto Graña Drummond. Ilustrações de Andrés Sandoval. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2015. p. 10.



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