O poeta desafia as
convenções linguísticas e poéticas ao expressar um desejo de inventar
comportamento para as coisas, em vez de simplesmente observar como elas se comportam.
Imbuído de tal propósito, sugere que a verdadeira tarefa da poesia é confundir
o sentido das palavras, criando experiências glossológicas capazes de
reconfigurar a nossa compreensão do mundo.
O poema encarna, assim,
uma celebração da flexibilidade da linguagem e da capacidade da poesia em ressignificar
a realidade (percebam-se, no caso, as transformações semânticas e as imagens
lúdicas empregadas por Barros), uma vez que privilegia a criatividade e a
percepção, em detrimento da lógica e do mero sentido utilitário que costumamos
imputar aos elementos constituintes do nosso meio.
J.A.R. – H.C.
Manoel de Barros
(1916-2014)
Comportamento
Não quero saber como
as coisas se comportam.
Quero inventar
comportamento para as coisas.
Li uma vez que a
tarefa mais lídima da poesia é a
de equivocar o
sentido das palavras
Não havendo nenhum
descomportamento nisso
senão que alguma
experiência linguística.
Noto que às vezes sou
desvirtuado a pássaros, que
sou desvirtuado em
árvores, que sou desvirtuado
para pedras.
Mas que essa mudança
de comportamento gental
para animal vegetal
ou pedral
É apenas um
descomportamento semântico.
Se eu digo que grota
é uma palavra apropriada para
ventar nas pedras,
Apenas faço o desvio
da finalidade da grota que
não é a de ventar nas
pedras.
Se digo que os
passarinhos faziam paisagens na
minha infância,
É apenas um desvio
das tarefas dos passarinhos que
não é a de fazer
paisagens.
Mas isso é apenas um
descomportamento linguístico que
não ofende a natureza
dos passarinhos nem das grotas.
Mudo apenas os verbos
e às vezes nem mudo.
Mudo os substantivos
e às vezes nem mudo.
Se digo ainda que é
mais feliz quem descobre o que não
presta do que quem
descobre ouro –
Penso que ainda assim
não serei atingido pela bobagem.
Apenas eu não tenho polimentos
de ancião.
Em: “Ensaios
fotográficos” (2000)
Em sintonia com a
natureza
(David Lozeau: artista
americano)
Referência:
BARROS, Manoel de. Comportamento. In: __________. Poesia completa. São Paulo, SP: LeYa, 2010. p. 395-396.
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