Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 7 de dezembro de 2025

Jovino Machado - Cúmplices

O sujeito lírico se rebela contra a existência que lhe é imposta pela sociedade, a estabelecer limitações e rotinas de uma vida trivial e burocrática – em cujo curso há de conformar-se “engolindo sapos” –, enquanto sonha com a edificação de um reino de autonomia, autoafirmação e transgressão criativa, no terreno da palavra escrita.

 

É ali que experimenta um “extremo prazer”, em companhia de “terríveis e solidários cúmplices”, digo melhor, grandes escritore(a)s que lhe servem como inspiradore(a)s nessa arte de convulsionar a linguagem nos escaninhos de um espaço privado e íntimo, sobre o qual impera como um “ditador de coração democrático”, decerto tensionado entre a necessidade de expressar seus sentimentos e o receio de vir a ser incompreendido.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jovino Machado

(n. 1963)

 

Cúmplices

 

Vou sempre burlar a existência burocrática

que a vida me impõe, e isso já é mágico.

Quando por trás se riem de mim,

não sabem que leio no trabalho;

que sou rei do meu reino, com direito a ficar puto

com o meu único súdito que sou eu mesmo.

Faço de Poe, o Edgar, e de Clarice, a Lispector,

meus mais terríveis e solidários cúmplices.

O sol é o sol e eu sou tudo o que posso imaginar:

um ditador de coração democrático.

As palavras saem e entram na minha própria boca:

não passam por nenhum ouvido.

Muitas jamais conseguirão sair,

aprisionadas que são pelo fogo-fátuo da tristeza.

No entanto, me sufoco de extremo prazer

em dizer tudo isso agora em versos.

Compensa o tempo da minha vida que,

em silêncio, engulo sapos.

 

Em: “Deselegância discreta” (1993)

 

O poeta

(Pablo Picasso: pintor espanhol)

 

Referência:

 

MACHADO, Jovino. Cúmplices. In: BRASIL, Assis (Organização, introdução e notas). A poesia mineira no século XX: antologia. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1998. p. 271. (Coleção “Poesia Brasileira”)

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