Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Romeu Jobim - O Menino e a Estrela

Eis um poema que é tanto uma bela evocação da magia do Natal, quanto também um chamado à compaixão e à solidariedade em favor dos açoitados pelos infortúnios da solidão e da pobreza: para além dos regalos e das celebrações que são levados a efeito no aconchego dos lares, há o desamparo daqueles expostos à exclusão social, à vulnerabilidade extrema, sem um lar para chamar de seu, e a quem somente resta a esperança de dias melhores, fomentada por uma estrela que em tudo evoca o áster-guia dos magos no relato bíblico.

 

Com efeito, sendo o Natal uma festividade que se direciona, de modo muito especial, a fazer a alegria das crianças, nada mais contrastante, ou até mesmo cruel, do que deixar muitas delas à margem, sem quaisquer atenuantes capazes de servir como luz e sonho de uma fé intrépida na bem-aventurança do futuro.

 

J.A.R. – H.C.

 

Romeu Jobim

(1927-2015)

 

O Menino e a Estrela

 

Porque é Natal,

quanta festa e alegria,

nos corações,

nos lares,

no mundo!

 

Mas um menino,

mais parece um bichinho,

sujinho, sozinho,

está dormindo,

num canto da calçada.

 

Eis que um raio

de estrela se alonga

e incide no rosto

do menino que, em seu sono,

sorri.

 

Sonha que outro menino,

como ele,

desceu pela estrela

e os dois brincam,

de roda.

 

Brasília - DF, 12/1999.

Em: “Cantos do Caminho”

 

Criança dormindo na rua

(Autoria desconhecida)

 

Referência:

 

JOBIM, Romeu. O menino e a estrela. Em: __________. Cantos do caminho: poesia. Brasília, DF: Edições Trianas, 2003. p. 128.


quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

D. H. Lawrence - Noite do Nascimento

Jogando com a metáfora em torno do mito de Adão e Eva, Lawrence explora a ideia do renascimento como um processo íntimo e universal, marcado por uma conexão profunda entre dois seres que se fundem para além dos gêneros ou papéis, num lídimo ato de criação divina a transcender as categorias convencionais.

 

Não mais um passado de sofrimento, de lágrimas, senão um porvir purificado e renovado, pleno de expectativas, de extraordinárias esperanças – como as suscitadas pelo Natal –, no qual a mulher em gestação dentro do homem ganha novas forma e identidade, num exercício inusitado de paternidade, configurado a partir de um enlace sincrônico entre o visceral e o poético.

 

J.A.R. – H.C.

 

D. H. Lawrence

(1885-1930)

 

Birth Night

 

This fireglow is a red womb

In the night, where you’re folded up

On your doom.

 

And the ugly, brutal years

Are dissolving out of you.

And the stagnant tears.

 

I the great vein that leads

From the night to the source of you

Which the sweet blood feeds.

 

New phase in the germ of you;

New sunny streams of blood

Washing you through.

 

You are born again of me.

I, Adam, from the veins of me

The Eve that is to be.

 

What has been long ago

Grows dimmer, we both forget,

We no longer know.

 

You are lovely, your face is soft

Like a flower in bud

On a mountain croft.

 

This is Noel for me.

To-night is a woman born

Of the man in me.

 

A Adoração dos Pastores

(Guido Reni: pintor italiano)

 

Noite do Nascimento

 

Este fulgor ígneo é útero rubro

Na noite, onde te encontras cingida

Ao teu fado.

 

E os anos brutais, cruéis,

Dissolvem-se em ti.

E estancam-se as lágrimas.

 

Eu, a grande veia a conduzir

A noite à fonte que te sustenta

E de onde mana o teu doce sangue.

 

Nova fase no embrião que tu és;

Novos fluxos radiosos de sangue

Banham-te por completo.

 

Nasces outra vez de mim.

Eu, Adão, de minhas veias

A Eva que está por vir.

 

O que pertence ao passado

Torna-se pálido, indistinto; foge-nos

À memória e já não o recordamos.

 

És bela, teu rosto tão suave

Quanto uma flor em botão

Num sítio montanhoso.

 

Eis o meu Natal.

Esta noite é uma mulher nascida

Do homem que há em mim.

 

Referência:

 

LAWRENCE, D. H. Birth night. In: __________. The complete poems. Collected and edited with an introduction and notes by Vivian de Sola Pinto and F. Warren Roberts. 7th print. New York, NY: Penguin Books, 1988. p. 239-240. (“The Penguin Poets”)

 

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Jorge de Lima - Poema de Natal

O poeta detém-se sobre o tema da solidão no mundo contemporâneo, bem assim sobre a busca de sentidos em um contexto aparentemente vazio, convidando-nos a refletir sobre a importância da conexão humana e da espiritualidade num mundo cada vez mais fragmentado, no qual, nada obstante, os “sinos de Cristo” ainda se fazem presentes para manter acesa a luz da esperança, da redenção, do amor e da conexão com o divino.

 

Transcender o lado mais tangível, mais material, do mundo; superar o trato frio e hostil, as conexões superficiais de nossas cidades superpovoadas; romper o isolamento e a alienação das grandes metrópoles; tudo para fazer valer, não só no calor da celebração natalina, o que há de mais humano em cada um de nós, nutrindo razões palpáveis para se continuar no afã da lida quotidiana!

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge de Lima

(1893-1953)

 

Poema de Natal

 

Numa certa noite de Natal,

aquele homem de uma grande metrópole

queria um abrigo para passar a noite;

um reveillon, uma mulher ou mesmo um bar servia.

Mas todas essas coisas tinham muitos corações

por dentro delas.

E, entretanto, todas essas coisas estavam muito vazias.

O homem foi, então, passear pelas ruas;

mas o povo era tanto que o homem

já pedia um abrigo para se livrar dos outros.

E o homem fugiu da metrópole

e buscou os caminhos que vão ter

às pequenas aldeias.

Mas o povo que vinha nos caminhos

para a grande metrópole

esbarrou no homem sem abrigo.

E foi então que os sinos de Cristo

começaram a chamar o homem fugitivo

para o novo caminho em que Jesus seguia.

 

Estado da Bahia, Salvador, 24.12.1938.

 

Em: “Poemas Dispersos”

 

Celebrando o Natal

(Margaret Loxton: artista inglesa)

 

Referência:

 

LIMA, Jorge de. Poema de Natal. In: __________. Poesia completa: em um volume. Organização de Alexei Bueno. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 1997. p. 833. (Biblioteca Luso-brasileira; Série brasileira)

  

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Carlos Drummond de Andrade - O que fizeram do Natal

Eis uma autêntica elegia pelo sagrado, cuja essência tem-se desvanecido, progressivamente, em meio ao ruído e à agitação da vida contemporânea, desconectando as festas religiosas de suas prístinas origens, fundamentos e significados espirituais, para convertê-las em oportunidades de consumo, entretenimentos e frivolidades.

 

O fenômeno da secularização e da supressão dos princípios devotos vão a par com a superficialidade com que as gerações recentes se entregam aos prazeres mais mundanos, dando ensejo a contrastes discordes ao longo desta quadra natalina – desde os seus exórdios vocacionada à renovação da esperança em um mundo melhor, ao fortalecimento da fé, em suma, à conexão com o divino.

 

J.A.R. – H.C.

 

Carlos Drummond de Andrade

(1902-1987)

 

O que fizeram do Natal

 

Natal.

O sino longe toca fino.

Não tem neves, não tem gelos.

Natal.

Já nasceu o deus menino.

As beatas foram ver,

encontraram o coitadinho

(Natal)

mais o boi mais o burrinho

e lá em cima

a estrelinha alumiando.

Natal.

 

As beatas ajoelharam

e adoraram o deus nuzinho

mas as filhas das beatas

e os namorados das filhas,

mas as filhas das beatas

foram dançar black-bottom

nos clubes sem presépio.

 

Em: “Alguma poesia” (1930)

 

Dançando o black-bottom

(Beryl Cook: pintora inglesa)

 

Referência:

 

ANDRADE, Carlos Drummond. O que fizeram do Natal. In: __________. Receita de ano-novo. Concepção e seleção de Pedro Augusto Graña Drummond. Ilustrações de Andrés Sandoval. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2015. p. 10. 

 

domingo, 21 de dezembro de 2025

Thomas Merton - O Entardecer da Visitação

Merton transmite-nos, com estes versos, uma sensação de profunda devoção, enfatizando a natureza sagrada do quotidiano e a presença do divino na vida simples do meio rural: a presença afetuosa de Maria, em companhia da lua e das estrelas, oferece consolo e bençãos a todos os elementos do entorno, impregnando-os com a mais compassiva espiritualidade.

 

Trata-se, de fato, de um paralelo entre a visita de Maria à sua prima Isabel e a quietude do entardecer no campo – quando a natureza apresta-se para o descanso noturno –, e que se convola num canto de gratidão e reverência à mãe amorosa e celestial dos cristãos, sempre disposta a velar por seus filhos enquanto dormem, cumulando suas vidas por meio de sua presença serena e protetora.

 

J.A.R. – H.C.

 

Thomas Merton

(1915-1968)

 

The Evening of the Visitation

 

Go, roads, to the four quarters of our quiet distance,

While you, full moon, wise queen,

Begin your evening journey to the hills of heaven,

And travel no less stately in the summer sky

Than Mary, going to the house of Zachary.

 

The woods are silent with the sleep of doves,

The valleys with the sleep of streams,

And all our barns are happy with peace of cattle

gone to rest.

Still wakeful, in the fields, the shocks of wheat

Preach and say prayers:

You sheaves, make all your evensongs

as sweet as ours,

Whose summer world, all ready for the granary

and barn,

Seems to have seen, this day,

Into the secret of the Lord’s Nativity.

 

Now at the fall of night, you shocks

Still bend your heads like kind and humble kings

The way you did this golden morning

when you saw God’s Mother passing,

While all our windows fill and sweeten

With the mild vespers of the hay and barley.

 

You moon and rising stars, pour on our barns

and houses

Your gentle benedictions.

Remind us how our Mother, with far subtler

and more Holy influence,

Blesses our rooves and eaves,

Our shutters, lattices and sills,

Our doors, and floors, and stairs, and rooms,

and bedrooms,

Smiling by night upon her sleeping children:

O gentle Mary! Our lovely Mother in heaven!

 

In: “Thirty Poems” (1944)

 

A Visitação

(Rafael Sanzio: artista italiano)

 

O Entardecer da Visitação

 

Ide, sendas, aos quatro cantos de nosso pacato torrão,

Enquanto tu, lua cheia, sábia rainha,

Começa a tua jornada vespertina às colinas celestiais,

E viaja não menos régia pelo firmamento estival,

Assim como Maria ao dirigir-se à casa de Zacarias.

 

Os bosques silenciam com o sono das pombas,

Os vales com a quietação dos riachos,

E todos os nossos estábulos folgam na paz do gado

em repouso.

Ainda despertas, nos campos, as medas de trigo

Pregam e elevam suas preces:

Vós, feixes, tornai todas as vossas canções vesperais

tão doces quanto as nossas,

Ao azo de que o mundo sob o verão, todo ao dispor

do celeiro e do estábulo,

Parece ter visto, neste dia,

O segredo da Natividade do Senhor.

 

Ainda agora, ao cair da noite, vós, medas,

Inclinais as vossas cabeças como reis bondosos

e humildes,

Tal como o fizestes nesta dourada manhã quando

vistes passar a Mãe de Deus,

Enquanto todas as nossas janelas se enchem

e se enternecem

Com as suaves preces vesperais do feno e da cevada.

 

Vós, lua e estrelas nascentes, derramai sobre

os nossos estábulos e casas

As vossas gentis bênçãos.

Lembrai-nos de como a nossa Mãe, com uma influência

muito mais sutil e Santa,

Abençoa os nossos telhados e beirais,

Os nossos postigos, treliças e peitoris,

As nossas portas, e soalhos, e escadas, e salas, e quartos,

Sorrindo de noite para os seus filhos adormecidos:

Ó Maria gentil! A nossa adorável Mãe do Céu!

 

Em: “Trinta Poemas” (1944)

 

Referência:

 

MERTON, Thomas. The evening of the visitation. In: __________. The collected poems of Thomas Merton. 6th print. New York, NY: New Directions, 1980. p. 43-44.