Nestes versos, Lee
nos oferece um excurso íntimo pelo paço da transmissão de valores e tradições
familiares, mediante um simples ato quotidiano: o falante nos conta como o seu
pai, ao retirar uma estilha de ferro da palma de sua mão, proporcionando-lhe alívio
físico à dor, ensinou-lhe ao mesmo tempo uma oportuna lição de força, resiliência
e confiança.
Esse simples ato de
ternura e disciplina, aos olhos do poeta, tornou-se um símbolo de cuidado e sabedoria,
digo melhor, uma espécie de presente que lhe permite acalmar quaisquer medos
que possam aflorar nos relacionamentos agora vivenciados, como o que mantém com
a sua esposa, com quem, aliás, repete o gesto de seu pai, retirando-lhe
cuidadosamente uma estilha do polegar.
J.A.R. – H.C.
Li-Young Lee
(n. 1957)
The Gift
To pull the metal
splinter from my palm
my father recited a
story in a low voice.
I watched his lovely
face and not the blade.
Before the story
ended, he’d removed
the iron sliver I
thought I’d die from.
I can’t remember the
tale,
but hear his voice
still, a well
of dark water, a
prayer.
And I recall his
hands,
two measures of
tenderness
he laid against my
face,
the flames of
discipline
he raised above my
head.
Had you entered that
afternoon
you would have
thought you saw a man
planting something in
a boy’s palm,
a silver tear, a tiny
flame.
Had you followed that
boy
you would have
arrived here,
where I bend over my
wife’s right hand.
Look how I shave her
thumbnail down
so carefully she
feels no pain.
Watch as I lift the
splinter out.
I was seven when my
father
took my hand like
this,
and I did not hold
that shard
between my fingers
and think,
Metal that will bury
me,
christen it Little Assassin,
Ore Going Deep for My
Heart.
And I did not lift up
my wound and cry,
Death visited here!
I did what a child
does
when he’s given
something to keep.
I kissed my father.
Pai e filho
(Kelly Barnes:
artista inglesa)
O Presente
Para tirar a lasca de
metal da palma da minha mão
meu pai recitou uma
história em voz baixa.
Eu olhava para o seu
belo rosto e não para a lâmina.
Antes de a história
terminar, ele me havia retirado
a estilha de ferro que
imaginei letal.
Não consigo me
lembrar da história,
mas ainda escuto a
sua voz, um poço
de água escura, uma oração.
E recordo as suas
mãos,
duas medidas de
ternura
que ele pousou sobre
a minha face,
as chamas da
disciplina
que fez erguer sobre
minha cabeça.
Se houvesses presenciado
a cena naquela tarde
acreditarias ter
visto um homem
plantando algo na
palma da mão de um menino,
uma lágrima prateada,
uma minúscula chama.
E se houvesses
seguido aquele menino,
terias chegado aqui,
onde me inclino sobre
a mão direita da minha mulher.
Repara como lhe desbasto
a unha do polegar
com tanto cuidado para
que não sinta dor.
Observa como lhe
retiro a lasca.
Contava sete anos
quando o meu pai
pegou a minha mão deste
mesmo modo,
sem que eu pressionasse
aquele fragmento
entre os meus dedos, pondo-me
a pensar –
Metal que me vai
inumar –
batizando-o de
Pequeno Assassino,
Minério a Penetrar Fundo
em Meu Coração.
Tampouco dei ênfase
ao meu ferimento, gritando:
A Morte me visitou!
Fiz o que faz uma criança
quando lhe confiam
algo para guardar.
Beijei meu pai.
Referência:
LEE, Li-Young. The gift. In: DOVE, Rita (Ed.). The penguin anthology of twentieth century american poetry. New York, NY: Penguin Books, 2013. p. 542-543.
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