Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 10 de junho de 2025

Yusef Komunyakaa - Há que encará-lo

Esta é uma reflexão pungente de um veterano de guerra afro-americano ao visitar o Memorial dos Veteranos do Vietnã, em Washington D.C.: nos versos subsomem-se temas como identidade, trauma, memória e luta consigo mesmo, neste caso, em razão de uma profunda tristeza que o faz se sentir dividido entre se manter insensível (“pedra”) ou vulnerável (“carne”) frente ao que lhe desponta aos olhos.

 

Aquele conflito bélico corroeu o sentido de identidade do falante, transformando-o numa figura espectral, quase invisível, ao mesmo tempo que o manteve em estado de desassossego, dadas as cicatrizes invisíveis que a guerra costuma deixar na psique humana.

 

O poema se encerra com algumas linhas ambíguas, talvez a sugerir certa possibilidade de cura e de reconciliação com o duro passado: a mulher que tenta “apagar nomes” se transforma em mãe escovando os cabelos do filho – imagem de ternura e de cuidado em meio à dor; idem, o próprio falante a se descrever como uma “janela”, decerto um canal para a compreensão e a empatia em relação aos sentimentos de quem compartilha o mesmo pesar – a exemplo do veterano branco que perdeu um braço e que também se encontra em visita ao monumento.

 

J.A.R. – H.C.

 

Yusef Komunyakaa

(n. 1947)

 

Facing It

 

My black face fades,

hiding inside the black granite.

I said I wouldn’t

dammit: No tears.

I’m stone. I’m flesh.

My clouded reflection eyes me

like a bird of prey, the profile of night

slanted against morning. I turn

this way – the stone lets me go.

I turn that way – I’m inside

the Vietnam Veterans Memorial (*)

again, depending on the light

to make a difference.

I go down the 58,022 names,

half-expecting to find

my own in letters like smoke.

I touch the name Andrew Johnson;

I see the booby trap’s white flash.

Names shimmer on a woman’s blouse

but when she walks away

the names stay on the wall.

Brushstrokes flash, a red bird’s

wings cutting across my stare.

The sky. A plane in the sky.

A white vet’s image floats

closer to me, then his pale eyes

look through mine. I’m a window.

He’s lost his right arm

inside the stone. In the black mirror

a woman’s trying to erase names:

No, she’s brushing a boy’s hair.

 

Selo postal em memória

dos Veteranos do Vietnã

(Robert Rodriguez: ilustrador norte-americano)

 

Há que encará-lo

 

Meu rosto negro se desvanece,

escondendo-se dentro do granito negro.

Disse que não haveria de me abalar,

droga: Nada de lágrimas.

Sou de pedra. Sou de carne.

Meu reflexo enevoado observa-me

como uma ave de rapina, o contorno da noite

em declive contra a manhã. Viro-me

para este lado – a pedra deixa-me ir.

Viro-me para o outro lado – estou novamente

dentro do Memorial aos Veteranos

do Vietnã, os efeitos da luz a estabelecer

a diferença entre as perspectivas.

Repasso os 58.022 nomes,

um tanto à espera de encontrar

o meu em letras fumegantes.

Toco o nome de Andrew Johnson;

vejo o clarão branco da mina terrestre.

Os nomes tremeluzem na blusa de uma mulher,

mas quando ela se afasta

permanecem gravados na parede.

As pinceladas chamejam, as asas de um pássaro

vermelho atravessam meu campo de visão.

O céu. Um avião no céu.

A imagem de um veterano branco flutua

mais perto de mim, então seus pálidos olhos

veem através dos meus. Sou uma janela.

Ele perdeu o seu braço direito

dentro da pedra. No espelho negro

uma mulher tenta apagar os nomes:

Não, está escovando os cabelos de um menino.

 

Nota:

 

(*). Trata-se de um monumento localizado em Washington D.C., recoberto com granito negro, em honra aos soldados norte-americanos mortos durante a Guerra do Vietnã, cujos nomes nele se encontram gravados.

 

Referência:

 

KOMUNYAKAA, Yusef. Facing it. In: DOVE, Rita (Ed.). The penguin anthology of twentieth century american poetry. New York, NY: Penguin Books, 2013. p. 441.

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