Esta é uma reflexão
pungente de um veterano de guerra afro-americano ao visitar o Memorial dos
Veteranos do Vietnã, em Washington D.C.: nos versos subsomem-se temas como
identidade, trauma, memória e luta consigo mesmo, neste caso, em razão de uma
profunda tristeza que o faz se sentir dividido entre se manter insensível (“pedra”)
ou vulnerável (“carne”) frente ao que lhe desponta aos olhos.
Aquele conflito
bélico corroeu o sentido de identidade do falante, transformando-o numa figura
espectral, quase invisível, ao mesmo tempo que o manteve em estado de desassossego,
dadas as cicatrizes invisíveis que a guerra costuma deixar na psique humana.
O poema se encerra
com algumas linhas ambíguas, talvez a sugerir certa possibilidade de cura e de
reconciliação com o duro passado: a mulher que tenta “apagar nomes” se
transforma em mãe escovando os cabelos do filho – imagem de ternura e de
cuidado em meio à dor; idem, o próprio falante a se descrever como uma “janela”,
decerto um canal para a compreensão e a empatia em relação aos sentimentos de
quem compartilha o mesmo pesar – a exemplo do veterano branco que perdeu um
braço e que também se encontra em visita ao monumento.
J.A.R. – H.C.
Yusef Komunyakaa
(n. 1947)
Facing It
My black face fades,
hiding inside the
black granite.
I said I wouldn’t
dammit: No tears.
I’m stone. I’m flesh.
My clouded reflection
eyes me
like a bird of prey,
the profile of night
slanted against
morning. I turn
this way – the stone
lets me go.
I turn that way – I’m
inside
the Vietnam Veterans
Memorial (*)
again, depending on
the light
to make a difference.
I go down the 58,022
names,
half-expecting to
find
my own in letters
like smoke.
I touch the name
Andrew Johnson;
I see the booby
trap’s white flash.
Names shimmer on a
woman’s blouse
but when she walks
away
the names stay on the
wall.
Brushstrokes flash, a
red bird’s
wings cutting across
my stare.
The sky. A plane in
the sky.
A white vet’s image
floats
closer to me, then
his pale eyes
look through mine.
I’m a window.
He’s lost his right
arm
inside the stone. In
the black mirror
a woman’s trying to
erase names:
No, she’s brushing a
boy’s hair.
Selo postal em
memória
dos Veteranos do
Vietnã
(Robert Rodriguez: ilustrador
norte-americano)
Há que encará-lo
Meu rosto negro se
desvanece,
escondendo-se dentro
do granito negro.
Disse que não haveria
de me abalar,
droga: Nada de
lágrimas.
Sou de pedra. Sou de carne.
Meu reflexo enevoado observa-me
como uma ave de
rapina, o contorno da noite
em declive contra a manhã.
Viro-me
para este lado – a
pedra deixa-me ir.
Viro-me para o outro
lado – estou novamente
dentro do Memorial
aos Veteranos
do Vietnã, os efeitos
da luz a estabelecer
a diferença entre as
perspectivas.
Repasso os 58.022
nomes,
um tanto à espera de
encontrar
o meu em letras fumegantes.
Toco o nome de Andrew
Johnson;
vejo o clarão branco
da mina terrestre.
Os nomes tremeluzem
na blusa de uma mulher,
mas quando ela se
afasta
permanecem gravados na
parede.
As pinceladas
chamejam, as asas de um pássaro
vermelho atravessam meu
campo de visão.
O céu. Um avião no
céu.
A imagem de um
veterano branco flutua
mais perto de mim,
então seus pálidos olhos
veem através dos
meus. Sou uma janela.
Ele perdeu o seu
braço direito
dentro da pedra. No
espelho negro
uma mulher tenta
apagar os nomes:
Não, está escovando
os cabelos de um menino.
Nota:
(*). Trata-se de um monumento
localizado em Washington D.C., recoberto com granito negro, em honra aos
soldados norte-americanos mortos durante a Guerra do Vietnã, cujos nomes nele
se encontram gravados.
Referência:
KOMUNYAKAA, Yusef.
Facing it. In: DOVE, Rita (Ed.). The penguin anthology of twentieth century
american poetry. New York, NY: Penguin Books, 2013. p. 441.
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