Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 17 de junho de 2025

Jorge Luis Borges - Limites

Em tudo há um limite, e muitos dos momentos e experiências que vivenciamos se perderão irreparavelmente no mais atroz esquecimento: tal ocorre, com maior ênfase, à medida que se aproxima o ocaso da vida, e as coisas tanto estimadas e apreciadas – como as pessoas que nos são próximas, a beleza ou a poesia –, parecem afastar-se de nosso convívio para sempre.

 

Nesse estado, o falante – como um Jano de duas faces, uma olhando para a frente e outra para trás –, imerge em nostalgias e melancolias, a lucubrar sobre as possibilidades que deixaram de ser desfrutadas, as oportunidades inexploradas, os caminhos não tomados, o conhecimento incógnito contido nos livros, em suma, a própria condição humana circunscrita posta em confronto com a inevitabilidade das mudanças e transições que o ciclo de vida e morte comporta.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge Luis Borges

(1899-1986)

 

Límites

 

De estas calles que ahondan el poniente,

una habrá (no sé cuál) que he recorrido

ya por última vez, indiferente

y sin adivinarlo, sometido

 

a quien prefija omnipotentes normas

y una secreta y rígida medida

a las sombras, los sueños y las formas

que destejen y tejen esta vida.

 

Si para todo hay término y hay tasa

y última vez y nunca más y olvido

¿Quién nos dirá de quién, en esta casa,

sin saberlo, nos hemos despedido?

 

Tras el cristal ya gris la noche cesa

y del alto de libros que una trunca

sombra dilata por la vaga mesa,

alguno habrá que no leeremos nunca.

 

Hay en el Sur más de un portón gastado

con sus jarrones de mampostería

y tunas, que a mi paso está vedado

como si fuera una litografía.

 

Para siempre cerraste alguna puerta

y hay un espejo que te aguarda en vano;

la encrucijada te parece abierta

y la vigila, cuadrifonte, Jano.

 

Hay, entre todas tus memorias,

una que se ha perdido irreparablemente;

no te verán bajar a aquella fuente

ni el blanco sol ni la amarilla luna.

 

No volverá tu voz a lo que el persa

dijo en su lengua de aves y de rosas,

cuando al ocaso, ante la luz dispersa,

quieras decir inolvidables cosas.

 

¿Y el incesante Ródano y el lago,

todo ese ayer sobre el cual hoy me inclino?

Tan perdido estará como Cartago

que con fuego y con sal borró el latino.

 

Creo en el alba oír un atareado

rumor de multitudes que se alejan;

son los que me ha querido y olvidado;

espacio, tiempo y Borges ya me dejan.

 

En: “El otro, el mismo” (1964)

 

Sintético

(Max Kassler: artista norte-americano)

 

Limites

 

Dentre as ruas que afundam o poente,

alguma (não sei qual) eu percorri

por uma última vez, indiferente

e, sem adivinhá-lo, obedeci

 

a quem prefixa onipotentes normas

e uma secreta e rígida medida

às sombras, e aos sonhos, e às formas

que tramam e destramam esta vida.

 

Se para tudo existe regra e usura

e olvido e nunca mais e última vez,

quem nos dirá a quem, a esta altura,

sem perceber, já dissemos adeus?

 

Por trás do vidro cinza a noite cessa

e da pilha de livros que uma adunca

sombra dilata sobre a vaga mesa,

alguns por certo não leremos nunca.

 

Há no Sul tanto portal desgastado

com seus jarrões feitos de alvenaria

e tunas, que ao meu passo está vedado

como se fosse uma litografia.

 

Para sempre fechaste alguma porta

e há um espelho que te aguarda em vão;

a encruzilhada te parece aberta

e o quadrifronte Jano diz que não.

 

Uma entre todas as memórias tuas

já se perdeu irreparavelmente;

não te verão descer a essa nascente

nem branco sol nem amarela lua.

 

Não tornará tua voz ao que o persa

disse em sua língua de aves e de rosas,

quando ao ocaso, vendo a luz dispersa,

queiras dizer inolvidáveis coisas.

 

E o incessante Ródano e o lago,

todo esse ontem sobre o qual me inclino?

Tão perdido estará quanto Cartago

que a fogo e sal aboliu o latino.

 

Na aurora penso ouvir um escarcéu

como o rumor de turbas que se apartam;

são tudo o que me amou e me esqueceu;

espaço e tempo e Borges já se afastam.

 

Em: “O outro, o mesmo” (1964)

 

Referência:

 

BORGES, Jorge Luis. Límites / Limites. Tradução de Heloisa Jahn. In: __________. Nova antologia pessoal. Traduções de Davi Arrigucci Jr., Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista. Edição bilíngue: espanhol x português. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2013. Em espanhol: p. 305-306; em português: p. 41-42.

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