Em tudo há um limite,
e muitos dos momentos e experiências que vivenciamos se perderão irreparavelmente
no mais atroz esquecimento: tal ocorre, com maior ênfase, à medida que se
aproxima o ocaso da vida, e as coisas tanto estimadas e apreciadas – como as
pessoas que nos são próximas, a beleza ou a poesia –, parecem afastar-se de
nosso convívio para sempre.
Nesse estado, o falante
– como um Jano de duas faces, uma olhando para a frente e outra para trás –, imerge
em nostalgias e melancolias, a lucubrar sobre as possibilidades que deixaram de
ser desfrutadas, as oportunidades inexploradas, os caminhos não tomados, o
conhecimento incógnito contido nos livros, em suma, a própria condição humana circunscrita
posta em confronto com a inevitabilidade das mudanças e transições que o ciclo
de vida e morte comporta.
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
Límites
De estas calles que
ahondan el poniente,
una habrá (no sé
cuál) que he recorrido
ya por última vez,
indiferente
y sin adivinarlo,
sometido
a quien prefija
omnipotentes normas
y una secreta y
rígida medida
a las sombras, los
sueños y las formas
que destejen y tejen
esta vida.
Si para todo hay
término y hay tasa
y última vez y nunca más
y olvido
¿Quién nos dirá de
quién, en esta casa,
sin saberlo, nos
hemos despedido?
Tras el cristal ya
gris la noche cesa
y del alto de libros
que una trunca
sombra dilata por la
vaga mesa,
alguno habrá que no
leeremos nunca.
Hay en el Sur más de
un portón gastado
con sus jarrones de
mampostería
y tunas, que a mi
paso está vedado
como si fuera una
litografía.
Para siempre cerraste
alguna puerta
y hay un espejo que
te aguarda en vano;
la encrucijada te
parece abierta
y la vigila,
cuadrifonte, Jano.
Hay, entre todas tus
memorias,
una que se ha perdido
irreparablemente;
no te verán bajar a
aquella fuente
ni el blanco sol ni
la amarilla luna.
No volverá tu voz a
lo que el persa
dijo en su lengua de
aves y de rosas,
cuando al ocaso, ante
la luz dispersa,
quieras decir
inolvidables cosas.
¿Y el incesante
Ródano y el lago,
todo ese ayer sobre
el cual hoy me inclino?
Tan perdido estará
como Cartago
que con fuego y con
sal borró el latino.
Creo en el alba oír
un atareado
rumor de multitudes
que se alejan;
son los que me ha
querido y olvidado;
espacio, tiempo y
Borges ya me dejan.
En: “El otro, el
mismo” (1964)
Sintético
(Max Kassler: artista
norte-americano)
Limites
Dentre as ruas que
afundam o poente,
alguma (não sei qual)
eu percorri
por uma última vez,
indiferente
e, sem adivinhá-lo,
obedeci
a quem prefixa
onipotentes normas
e uma secreta e
rígida medida
às sombras, e aos
sonhos, e às formas
que tramam e
destramam esta vida.
Se para tudo existe
regra e usura
e olvido e nunca mais
e última vez,
quem nos dirá a quem,
a esta altura,
sem perceber, já
dissemos adeus?
Por trás do vidro
cinza a noite cessa
e da pilha de livros
que uma adunca
sombra dilata sobre a
vaga mesa,
alguns por certo não
leremos nunca.
Há no Sul tanto
portal desgastado
com seus jarrões
feitos de alvenaria
e tunas, que ao meu
passo está vedado
como se fosse uma
litografia.
Para sempre fechaste
alguma porta
e há um espelho que
te aguarda em vão;
a encruzilhada te
parece aberta
e o quadrifronte Jano
diz que não.
Uma entre todas as
memórias tuas
já se perdeu
irreparavelmente;
não te verão descer a
essa nascente
nem branco sol nem
amarela lua.
Não tornará tua voz
ao que o persa
disse em sua língua
de aves e de rosas,
quando ao ocaso,
vendo a luz dispersa,
queiras dizer
inolvidáveis coisas.
E o incessante Ródano
e o lago,
todo esse ontem sobre
o qual me inclino?
Tão perdido estará
quanto Cartago
que a fogo e sal
aboliu o latino.
Na aurora penso ouvir
um escarcéu
como o rumor de
turbas que se apartam;
são tudo o que me amou
e me esqueceu;
espaço e tempo e
Borges já se afastam.
Em: “O outro, o
mesmo” (1964)
Referência:
BORGES, Jorge Luis.
Límites / Limites. Tradução de Heloisa Jahn. In: __________. Nova antologia
pessoal. Traduções de Davi Arrigucci Jr., Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista.
Edição bilíngue: espanhol x português. São Paulo, SP: Companhia das Letras,
2013. Em espanhol: p. 305-306; em português: p. 41-42.
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