Ocupando
profundamente o ser e a mente do poeta, o amor lhe desperta uma grande
variedade de emoções e sentimentos, como o deleite, a sensação de poder, a
doçura, o prazer e a esperança, inobstante o faça também, em repetidas
ocasiões, delirar e chorar, ao combinar aflição, dor, medo e laivos de loucura
num só transe.
A única constante em
meio a esse turbilhão emocional e de pensamentos conflitantes é o desejo de
obter compaixão, ou melhor Piedade, invocando-a – a despeito de vê-la como sua “inimiga”
– para vir em sua defesa, para lhe dar apoio, até mesmo misericórdia, e protegê-lo
da intensidade de suas turbações psicológicas.
Entre antíteses e
paradoxos, Alighieri (1265-1321), como se nota, enfatiza os traços do estado de
confusão e de perplexidade diante de tão profundo sentimento, bem assim as atribulações
que dele derivam, conglobando as mesmas ideias que, poucos séculos depois,
Camões (1524-1580) tão bem plasmou em outro soneto, traduzindo-o como um “descontentamento
descontente”, uma “dor que desatina sem doer”.
J.A.R. – H.C.
Dante diante do
Purgatório
(Agnolo Bronzino:
pintor italiano)
Tutti li miei penser parlan d’Amore
Tutti li miei penser
parlan d’Amore;
e hanno in lor sì
gran varietate,
ch’altro mi fa voler
sua potestate,
altro folle ragiona
il suo valore,
altro sperando
m’apporta dolzore,
altro pianger mi fa
spesse fiate;
e sol s’accordano in
cherer pietà te,
tremando di paura che
è nel core.
Ond’io non so da qual
matera prenda;
e vorrei dire, e non
so ch’io mi dica:
così mi trovo in
amorosa erranza!
E se con tutti voi
fare accordanza,
convenemi chiamar la
mia nemica,
madonna la Pietà, che
mi difenda.
Homem apaixonado
(Martin Smith: artista
australiano)
Meus pensamentos
falam só de Amor
Meus pensamentos
falam só de Amor
e têm em si tanta
diversidade
que um me faz desejar
sua autoridade
e outro a rejeita e
nega seu valor;
um, de esperanças vem
me recompor,
traz outro o pranto assíduo
que me invade;
só estão de acordo ao
desejar piedade
temendo no meu peito
tanta dor.
Assim, deles não sei
a qual me renda
e quero me expressar
sem que o consiga
entre ideias de amor
tão erradias.
Se quero ter com elas
harmonia
sou forçado a chamar minha
inimiga
Santa Piedade e que
ela me defenda.
(Tradução de Jorge
Wanderley)
A harmonia do amor
(Zsolt Malasits:
artista húngaro)
Todos os pensamentos
meus falam de Amor
Todos os pensamentos
meus falam de Amor;
e tem uma tão grande
variedade
que um me leva a
desejar o seu poder,
por outro se me
mostra o seu valor,
outro, esperando,
docemente, me conforta,
outro chorar me faz
bastantes vezes;
só em querer piedade
se harmonizam,
tremendo com o medo
que me vai no peito.
Não sei, então, a que
lugar me volte;
quero falar, e não
sei bem que diga:
assim me encontro em
amoroso error!
Se com todos me componho,
chamar me convém
minha inimiga,
a Piedade, sim, que
me defenda.
(Tradução de Carlos
Eduardo Soveral)
Referências:
Em Italiano
ALIGHIERI, Dante. Tutti
li miei penser parlan d’amore. In: __________. Vita nuova / Vida nova:
os poemas. Tradução e introdução de Jorge Wanderley. Edição bilíngue: italiano
x português. Rio de Janeiro, RJ: Taurus-Timbre, 1988. p. 28.
Em Português
ALIGHIERI, Dante. Meus
pensamentos falam só de amor. Tradução de Jorge Wanderley. In: __________. Vita
nuova / Vida nova: os poemas. Tradução e introdução de Jorge Wanderley.
Edição bilíngue: italiano x português. Rio de Janeiro, RJ: Taurus-Timbre, 1988.
p. 29.
ALIGHIERI, Dante. Todos
os pensamentos meus falam de amor. Tradução de Carlos Eduardo Soveral. In:
__________. Vida nova. Tradução dos originais italiano e latino por
Carlos Eduardo Soveral. 3. ed. Lisboa, PT: Guimarães Editores, 1993. p. 28-29.
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