Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 28 de junho de 2025

Jules Supervielle - O apelo

Uma nota prévia ao escólio: embora houvesse encontrado na internet um poema de Supervielle com o título em francês “L’appel”, não correspondia ele à tradução ao português, abaixo transcrita, elaborada pelo poeta Manuel Bandeira (1886-1968), com o que por ora fico a dever a ode no original, prontificando-me, nada obstante, a incluir um “post scriptum” a esta postagem, caso venha a obtê-la.

 

Talvez, com boa dose de probabilidade, este poema tenha sido escrito pelo poeta quando se encontrava em Montevidéu, para onde se deslocou com a declaração da 2GM, em 1939, somente retornando à França em 1946: tal especulação deve-se ao fato de que há menção, nos versos, a um “apelo” vindo de longe – nomeadamente “do fundo da guerra, do fundo da França” –, atravessando o oceano, e que, tendo alcançado o falante, logo reverberou em seu coração.

 

Com o fim do conflito bélico e o consequente restabelecimento da França, esse “pequenino apelo” – um grito débil e persistente em busca de refúgio –, já agora vai-se extinguindo, podendo render-se ao silêncio e morrer em paz, com o que se comuta a angústia prévia do poeta por uma sensação de consolo e de esperança.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jules Supervielle

(1884-1960)

 

O apelo

 

Um apelo, um grito

Longínquo, abafado,

Quase imperceptível,

Erra no infinito

Coração da noite.

Do fundo da guerra,

Do fundo da França,

Expirando avança,

Desmaia, persiste,

Procura ganhar

Força e consistência

No espaço, procura

Com perseverança

Um apoio à beira

Do silêncio enorme.

Súbito me escolhe

E cala-se em mim.

Sirvo-lhe de abrigo,

Sirvo-lhe de leito,

Ajudo-o a acabar.

Como conseguiste,

Persistente apelo,

Passar o oceano,

Entrar no meu tempo,

Nele demorar?

De que lábio humano,

De que fundas trevas

Vens como expressão

De última vontade?

De que subterrâneo

Ou de que retiro

De lenta agonia

Até mim te elevas,

Lânguido suspiro,

Último suspiro?

Pequenino apelo

Quase a perecer,

Acabou-se a guerra,

A França renasce:

Poderás já agora

Ceder ao silêncio,

Deixar-te morrer.

 

O chamado

(Paul Gauguin: pintor francês)

 

Referência:

 

SUPERVIELLE, Jules. O apelo. Tradução de Manuel Bandeira. In: BANDEIRA, Manuel. Poemas traduzidos. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1956. p. 44-45. (Coleção ‘Rubáiyát’)

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