Uma nota prévia ao
escólio: embora houvesse encontrado na internet um poema de Supervielle com o
título em francês “L’appel”, não correspondia ele à tradução ao português, abaixo
transcrita, elaborada pelo poeta Manuel Bandeira (1886-1968), com o que por ora
fico a dever a ode no original, prontificando-me, nada obstante, a incluir um
“post scriptum” a esta postagem, caso venha a obtê-la.
Talvez, com boa dose de
probabilidade, este poema tenha sido escrito pelo poeta quando se encontrava em
Montevidéu, para onde se deslocou com a declaração da 2GM, em 1939, somente
retornando à França em 1946: tal especulação deve-se ao fato de que há menção,
nos versos, a um “apelo” vindo de longe – nomeadamente “do fundo da guerra, do
fundo da França” –, atravessando o oceano, e que, tendo alcançado o falante, logo
reverberou em seu coração.
Com o fim do conflito
bélico e o consequente restabelecimento da França, esse “pequenino apelo” – um
grito débil e persistente em busca de refúgio –, já agora vai-se extinguindo,
podendo render-se ao silêncio e morrer em paz, com o que se comuta a angústia
prévia do poeta por uma sensação de consolo e de esperança.
J.A.R. – H.C.
Jules Supervielle
(1884-1960)
O apelo
Um apelo, um grito
Longínquo, abafado,
Quase imperceptível,
Erra no infinito
Coração da noite.
Do fundo da guerra,
Do fundo da França,
Expirando avança,
Desmaia, persiste,
Procura ganhar
Força e consistência
No espaço, procura
Com perseverança
Um apoio à beira
Do silêncio enorme.
Súbito me escolhe
E cala-se em mim.
Sirvo-lhe de abrigo,
Sirvo-lhe de leito,
Ajudo-o a acabar.
Como conseguiste,
Persistente apelo,
Passar o oceano,
Entrar no meu tempo,
Nele demorar?
De que lábio humano,
De que fundas trevas
Vens como expressão
De última vontade?
De que subterrâneo
Ou de que retiro
De lenta agonia
Até mim te elevas,
Lânguido suspiro,
Último suspiro?
Pequenino apelo
Quase a perecer,
Acabou-se a guerra,
A França renasce:
Poderás já agora
Ceder ao silêncio,
Deixar-te morrer.
O chamado
(Paul Gauguin: pintor
francês)
Referência:
SUPERVIELLE, Jules. O
apelo. Tradução de Manuel Bandeira. In: BANDEIRA, Manuel. Poemas traduzidos.
3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1956. p. 44-45. (Coleção
‘Rubáiyát’)
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