O poeta descreve os
caramujos com uma atitude quase reverencial, atribuindo-lhes qualidades
metafísicas e perenais, por trás da privacidade, morosidade, contenção, paciência
e perseverança que encerram em seu modo de ser, intrinsecamente belo e
vinculado, de alguma forma, ao próprio anoitecer povoado de mistérios.
Barros outorga um
significado algo mitológico a esses pequenos moluscos, uma vez que, considerando
o ritmo e a constância empregados em suas jornadas, teriam eles uma conexão com
as origens, ou melhor, com um tempo primigênio mensurável em largas escalas, podendo,
por isso mesmo, ser tomados como símbolos de uma filosofia de vida que valoriza
a lentidão, a observação e a imensa beleza que se nos vai expondo aos poucos, ao
longo das trilhas que esculpimos em nosso entorno natural.
J.A.R. – H.C.
Manoel de Barros
(1916-2014)
Os Caramujos
Há um comportamento
de eternidade nos caramujos.
Para subir os
barrancos de um rio, eles percorrem um
dia inteiro até chegar
amanhã.
O próprio anoitecer
faz parte de haver beleza nos
caramujos.
Eles carregam com
paciência o início do mundo.
No geral os caramujos
tem uma voz desconformada
por dentro.
Talvez porque tenham
a boca trôpega.
Suas verdades podem
não ser.
Desde quando a
infância nos praticava na beira do rio
nunca mais deixei de
saber que esses pequenos
moluscos
ajudam as árvores a
crescer.
E achei que esta
história só caberia no impossível.
Mas não; ela cabe
aqui também.
Caramujo
(Heather Olsen:
artista norte-americana)
Referência:
BARROS, Manoel de. Os caramujos. In: __________. Tratado geral das grandezas do ínfimo. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2005. p. 319.
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