Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 14 de junho de 2025

Manoel de Barros - Os Caramujos

O poeta descreve os caramujos com uma atitude quase reverencial, atribuindo-lhes qualidades metafísicas e perenais, por trás da privacidade, morosidade, contenção, paciência e perseverança que encerram em seu modo de ser, intrinsecamente belo e vinculado, de alguma forma, ao próprio anoitecer povoado de mistérios.


Barros outorga um significado algo mitológico a esses pequenos moluscos, uma vez que, considerando o ritmo e a constância empregados em suas jornadas, teriam eles uma conexão com as origens, ou melhor, com um tempo primigênio mensurável em largas escalas, podendo, por isso mesmo, ser tomados como símbolos de uma filosofia de vida que valoriza a lentidão, a observação e a imensa beleza que se nos vai expondo aos poucos, ao longo das trilhas que esculpimos em nosso entorno natural.

 

J.A.R. – H.C.

 

Manoel de Barros

(1916-2014)

 

Os Caramujos

 

Há um comportamento de eternidade nos caramujos.

Para subir os barrancos de um rio, eles percorrem um

dia inteiro até chegar amanhã.

O próprio anoitecer faz parte de haver beleza nos

caramujos.

Eles carregam com paciência o início do mundo.

No geral os caramujos tem uma voz desconformada

por dentro.

Talvez porque tenham a boca trôpega.

Suas verdades podem não ser.

Desde quando a infância nos praticava na beira do rio

nunca mais deixei de saber que esses pequenos

moluscos

ajudam as árvores a crescer.

E achei que esta história só caberia no impossível.

Mas não; ela cabe aqui também.

 

Caramujo

(Heather Olsen: artista norte-americana)

 

Referência:

 

BARROS, Manoel de. Os caramujos. In: __________. Tratado geral das grandezas do ínfimo. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2005. p. 319.

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