A refletir um hipotético
depoimento de Simão, o Zelota – um dos discípulos de Jesus –, este longo poema
de Pound – escrito num dialeto inglês arcaico –, é, de fato, um lamento pelo
que veio a ocorrer ao seu “Bom Companheiro” – a morte na cruz –, muito embora a
mensagem desse homem extraordinário ainda ressoe com vigor nos dias que correm.
Sublinhe-se o tom
evocador de uma atmosfera quase mística, distanciada no tempo, a perpassar a
trama dos versos, no curso da qual se tem uma representação de Cristo como um
líder carismático, contemplado a partir de um ponto de vista secular e humano, a
exteriorizar a sua intrepidez e personalidade desafiadora diante das
autoridades e das próprias adversidades que esperava encontrar mais à frente.
Com efeito, o
descritor do que então se passa enfatiza a capacidade do Nazareno em realizar milagres
e de enfrentar a morte com uma calma algo estoica, qualidades que, num plano
metafórico, associam-se mais de perto aos atributos do mar – pois que as
grandes águas não costumam conhecer limites ou restrições –, mas que, no âmbito
dos relacionamentos entre aqueles confrades, espelham o exemplo de fortaleza do
“Bom Companheiro” para com os seus discípulos, homens rústicos e simples.
J.A.R. – H.C.
Ezra Pound
(1885-1972)
Simon Zelotes speaketh it somewhile
after the Crucifixion
Ha’ we lost the goodliest fere o’ all
For the priests and the gallows tree?
Aye lover he was of brawny men,
O’ ships and the open sea.
When they came wi’ a host to take Our Man
His smile was good to see,
“First let these go!” quo’ our Goodly Fere,
“Or I’ll see ye damned,” says he.
Aye he sent us out through the crossed high spears
And the scorn of his laugh rang free,
“Why took ye not me when I walked about
Alone in the town?” says he.
Oh we drank his “Hale” in the good red wine
When we last made company,
No capon priest was the Goodly Fere
But a man o’ men was he.
I ha’ seen him drive a hundred men
Wi’ a bundle o’ cords swung free,
That they took the high and holy house
For their pawn and treasury.
They’ll no’ get him a’ in a book I think
Though they write it cunningly;
No mouse of the scrolls was the Goodly Fere
But aye loved the open sea.
If they think they ha’ snared our Goodly Fere
They are fools to the last degree.
“I’ll go to the feast,” quo’ our Goodly Fere,
“Though I go to the gallows tree.”
“Ye ha’ seen me heal the lame and blind,
And wake the dead,” says he,
“Ye shall see one thing to master all:
Tis how a brave man dies on the tree.”
A son of God was the Goodly Fere
That bade us his brothers be.
I ha’ seen him cow a thousand men.
I have seen him upon the tree.
He cried no cry when they drave the nails
And the blood gushed hot and free,
The hounds of the crimson sky gave tongue
But never a cry cried he.
I ha’ seen him cow a thousand men
On the hills o’ Galilee,
They whined as he walked out calm between,
Wi’ his eyes like the grey o’ the sea,
Like the sea that brooks no voyaging
With the winds unleashed and free,
Like the sea that he cowed at Genseret
Wi’ twey words spoke’ suddently.
A master of men was the Goodly Fere,
A mate of the wind and sea,
If they think they ha’ slain our Goodly Fere
They are fools eternally.
I ha’ seen him eat o’ the honey-comb
Sin’ they nailed him to the tree.
A descida da cruz
(Peter Paul Rubens:
pintor flamengo)
Balada do Bom Companheiro
Pronunciamento de
Simão, o Zelota,
algum tempo depois da
Crucificação
Oh! Perdemos o melhor
companheiro dentre todos
para os sacerdotes e
o madeiro?
Sim, era ele propenso
ao trato com homens robustos,
barcaças e o mar
aberto.
Quando em hoste
vieram prender o Nosso Homem,
seu sorriso era digno
de ser visto:
“Primeiro deixeis que
estes possam retirar-se”, vindicou,
“ou hei de os ver
condenados”.
Então nos fez passar por
entre lanças altas e cruzadas,
e logo ressoou o
livre desdém do seu riso.
“Por que não me prendestes
quando caminhava
sozinho pela
cidade?”, indagou-lhes.
Oh, bebemos à sua
“Saúde” com um bom vinho tinto,
quando lhe fizemos
companhia pela última vez;
o Bom Companheiro não
era um cura afetado,
senão um homem entre
os homens.
Vi-o investir contra
uma centena de homens
com um feixe de
cordas soltas a brandir,
assim que eles
converteram a sagrada e alta casa
em um centro de
penhores e de tesouraria.
Creio que não o mencionarão
em um livro,
a despeito de que os
escrevam destramente.
O Bom Companheiro não
era um rato de pergaminhos,
senão um amante do
alto mar.
Se pensam que capturaram
nosso Bom Companheiro,
são tolos até o
último grau.
“Partirei para um
banquete”, assegurou a todos,
“ainda que me levem ao
madeiro”.
“Vós me vistes curar
os coxos e os cegos
e despertar os mortos”,
disse ele,
“mas vereis algo que
a tudo supera:
como um homem intrépido
morre num madeiro”.
Era um filho de Deus
o Bom Companheiro,
que nos instou a
sermos seus irmãos.
Vi-o a acovardar mil
homens,
vi-o fincado ao
madeiro.
Não lançou grito
algum ao lhe fixarem os cravos,
fazendo o sangue jorrar
quente e livre;
ladraram os lebréus
de um céu carminado,
mas dele jamais se ouviu
qualquer gemido.
Vi-o a acovardar mil
homens
nas colinas da
Galileia,
e enquanto se
lamuriavam, tranquilo no meio deles
caminhava, com seus
olhos como o cinza do mar,
como o mar que não
possibilita viagens
com seus ventos
desatrelados e livres,
como o mar que ele
amainou em Genesaré
com palavras suaves
ditas de repente.
Era o Bom Companheiro
um mestre dos homens,
um íntimo do vento e
do mar.
Se pensam que mataram
nosso Bom Companheiro,
são tolos por toda a
eternidade.
Vi-o comer o mel dos
favos,
depois que o pregaram
no madeiro.
Nota:
(*). Fere:
anglo-saxão e inglês antigo, a significar camarada, companheiro.
Referência:
POUND, Ezra. Ballad of the goodly fere. In: __________. Ezra Pound’s poetry and prose: contributions to periodicals. In ten volmues. Volume I: 1902-1914. Prefaced and arranged by Lea Baechler, A. Walton Litz and James Longenbach. New York; London: Garland Publishing Inc., 1991. p. 24-25.
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