A poetisa paulistana,
recorrendo ao título de renomada obra do escritor português Camilo Castelo
Branco (1825-1890), confere-lhe, entretanto, um novo matiz ao retratar em três
estrofes a gênese e o desvanecer da inspiração poética, capturando a fugacidade
e a aparente contradição inerente ao ato criativo, a comportar tensões entre o
etéreo e o substancial, entre a ordem e o caos.
O ato de escrever
poemas – esse “amor de perdição” – semelha-se quase a um processo xamânico, no
qual o poeta, inspirado, canaliza e dá forma às forças criadoras do universo,
transformando mesmo o que se nos mostra trivial em algo mágico e significativo.
Ao seu final, uma vez atingido o ponto de culminação da obra, passa ela a ter
autonomia e independência, separando-se do seu criador, sendo agora propriedade
do amplo público de seus leitores.
J.A.R. – H.C.
Neide Archanjo
(1940-2022)
Amor de perdição
Era um fluir de
formas
essência grave e leve
era a ordenação do
caos
a harmonia breve.
Era o poema
encostado no muro
qual flor vadia
que entre ramas se
esquecia.
Era o poeta
lambendo a página
baldia
em que o poema
encantado se
escrevia.
Em: “Epifanias”
(1999)
Em casa (ou
Intimidade)
(Louise C. Breslau:
pintora alemã)
Referência:
ARCHANJO, Neide. Amor
de perdição. In: FARIA, Álvaro Alves de; MOISÉS, Carlos Felipe (Orgs.). Antologia
poética da geração de 60. 1. ed. São Paulo, SP: Nankin Editorial, set.
2000. p. 217.
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