Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 27 de junho de 2025

José Saramago - Arte poética

Saramago, como muitos poetas pelo mundo afora, detém-se nestas linhas a refletir sobre a natureza mesma da poesia, questionando suas origens, seu propósito, seus elementos fundamentais e, até mesmo, suas exigências éticas e estéticas: emergiria o poema de um processo de criação orgânico, similar ao do crescimento de uma planta a partir da semente que lhe corresponde, estruturando um percurso em liberdade para abrigar ideias e emoções que possam repercutir na mente do leitor.

 

Para o Nobel português, a arte poética vai mais além do que a simples descrição da natureza ou de objetos pelo uso de cores vivas a impregnarem as palavras, senão que requer “acerto rigoroso e harmonia” para alcançar-lhes a plenitude, tornando-as perduráveis ao capturar a totalidade do que lhes é essencial, com “ritmo, segurança e consciência”.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Saramago

(1922-2010)

 

Arte poética

 

Vem de quê o poema? De quanto serve

A traçar a esquadria da semente:

Flor ou erva, floresta e fruto.

Mas avançar um pé não é fazer jornada,

Nem pintura será a cor que não se inscreve

Em acerto rigoroso e harmonia.

Amor, se o há, com pouco se conforma

Se, por lazeres de alma acompanhada,

Do corpo lhe bastar a presciência.

 

Não se esquece o poema, não se adia,

Se o corpo da palavra for moldado

Em ritmo, segurança e consciência.

 

Natureza-morta com flores e frutos

(Severin Roesen: pintor prusso-americano)

 

Referência:

 

SARAMAGO, José. Arte poética. In: __________. Os poemas possíveis: poesia. 6. ed. Alfragide, PT: Editorial Caminho, 1997. p. 22.

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