Saramago, como muitos
poetas pelo mundo afora, detém-se nestas linhas a refletir sobre a natureza
mesma da poesia, questionando suas origens, seu propósito, seus elementos
fundamentais e, até mesmo, suas exigências éticas e estéticas: emergiria o
poema de um processo de criação orgânico, similar ao do crescimento de uma
planta a partir da semente que lhe corresponde, estruturando um percurso em liberdade
para abrigar ideias e emoções que possam repercutir na mente do leitor.
Para o Nobel
português, a arte poética vai mais além do que a simples descrição da natureza
ou de objetos pelo uso de cores vivas a impregnarem as palavras, senão que
requer “acerto rigoroso e harmonia” para alcançar-lhes a plenitude, tornando-as
perduráveis ao capturar a totalidade do que lhes é essencial, com “ritmo, segurança
e consciência”.
J.A.R. – H.C.
José Saramago
(1922-2010)
Arte poética
Vem de quê o poema?
De quanto serve
A traçar a esquadria
da semente:
Flor ou erva,
floresta e fruto.
Mas avançar um pé não
é fazer jornada,
Nem pintura será a
cor que não se inscreve
Em acerto rigoroso e
harmonia.
Amor, se o há, com
pouco se conforma
Se, por lazeres de
alma acompanhada,
Do corpo lhe bastar a
presciência.
Não se esquece o
poema, não se adia,
Se o corpo da palavra
for moldado
Em ritmo, segurança e
consciência.
Natureza-morta com
flores e frutos
(Severin Roesen: pintor
prusso-americano)
Referência:
SARAMAGO, José. Arte
poética. In: __________. Os poemas possíveis: poesia. 6. ed. Alfragide,
PT: Editorial Caminho, 1997. p. 22.
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