O poeta chinês nos
apresenta esta bela reflexão do falante, o qual, em sua sabedoria e paz de
espírito, empreende uma serena travessia pelas paisagens montanhosas de Lantian,
dedicando-se à meditação e à conexão com a natureza, onde encontra escape ao
bulício do mundo exterior e uma zona de equilíbrio num modo de vida simples e
contemplativo.
O fluxo dos versos
amolda-se à sensação de remanso que o poeta tenciona transmitir ao leitor: primeiramente,
o falante aparece navegando num bote por um rio tranquilo, numa tarde ensolarada
entre montanhas cobertas de neve, árvores frondosas e o som da correnteza das águas;
pouco depois, já em terra, ingressa no refúgio de um monastério, onde eremitas
anciãos, em seu quotidiano monástico, partilham o amplo cenário com alguns
pastores e lenhadores.
Guardadas as devidas distinções
e proporções – afinal, a escrita de Wei muito evoca as célebres moções do
zen-budismo –, permita-me aqui o internauta uma breve digressão: o poema nos faz
lembrar, de algum modo, o padrão almejado de vida por parte dos nossos poetas
arcádicos – com aquela idealização da natureza, da vida pastoril, bucólica e
contemplativa experimentada nos sítios rurais –, por meio do qual aspiravam a
alcançar, distanciados do burburinho urbano, uma felicidade simples e imediata.
J.A.R. – H.C.
Wang Wei
(701 d.C.-761 d.C.)
蓝田山石门精舍
落日山水好,漾舟信归风。
玩奇不觉远,因以缘源穷。
遥爱云木秀,初疑路不同。
安知清流转,偶与前山通。
舍舟理轻策,果然惬所适。
老僧四五人,逍遥荫松柏。
朝梵林未曙,夜禅山更寂。
道心及牧童,世事问樵客。
暝宿长林下,焚香卧瑶席。
涧芳袭人衣,山月映石壁。
再寻畏迷误,明发更登历。
笑谢桃源人,花红复来觌。
Portão de Pedra
(Petar Sibenik: artista
croata)
No Mosteiro da Porta
de Pedra
O sol desce no céu,
bonitos montes e água,
minha barca de regresso
a casa, ao sabor da brisa.
Despreocupado, feliz,
deixo-me conduzir para longe
algures um recanto na
nascente do rio.
À minha volta, nuvens
brancas, árvores, frescura,
eu meto perdido,
enlevado, surpreso.
De súbito, as águas
entrando pela montanha,
eu, na margem,
apoiado no bastão, caminhando.
No mosteiro, entre
carvalhos e pinheiros,
alguns velhos monges,
meditando,
pela manhã- antes do clarear
da floresta,
ao entardecer, antes
do silenciar da montanha.
Os pastores, lá
longe, ouvindo o cântico dos monges,
os lenhadores, aqui,
trazendo as novidades do mundo.
Sob a copa das
árvores, na escuridão,
os monges queimam
incenso, dormem em esteiras sagradas,
a fragrância do vale
perfumando-lhes as roupas,
o luar da montanha iluminando
os penhascos.
Não me vou perder
quando um dia aqui voltar,
acordarei ao nascer
da amora, subirei a montanha.
Adeus, amigos da
Nascente das Flores de Pessegueiro (*),
estarei de regresso,
ao avermelharem as pétalas.
Nota do Tradutor
(*). Sob roupagem
levemente diferente, Wang Wei utiliza também a história da Nascente das Flores
de Pessegueiro, de Tao Yuanming (365 d.C.-427 d.C.).
Referências:
Em Chinês
Simplificado
魏, 王. 蓝田山石门精舍. Disponível Disponível neste endereço. Acesso em: 2 jun. 2025.
Em Português:
WEI, Wang. No Mosteiro da Porta de Pedra. Tradução de António Graça de
Abreu. In: __________. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de
António Graça de Abreu. Macau, MO: Instituto Cultural de Macau, 1993. p. 53.
(Coleção ‘Clássicos Chineses’)
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