Num contraste entre a
simplicidade e a perfeição de uma cebola e a complexidade e as contradições do ser
humano, a poetisa polonesa nos desafia a percebermos o quanto a nossa anatomia
é “delirante”, cheia de elementos díspares e conflitos internos a nos impedirem
de apresentar condutas mais prontamente compreensíveis e transparentes.
Não haveria nos
humanos, segundo Szymborska, uma sucessão de camadas semelhantes e autoconsistentes,
harmônicas e coerentes em sua continuidade – como na cebola –, senão uma composição
intrincada a ocultar constituintes sob estratos de falsidade ou mistério “mal
cobertos pela pele”, contingência que nos privaria da possibilidade de atingir
a “idiotice da perfeição”.
J.A.R. – H.C.
Wisława Szymborska
(1923-2012)
Cebula
Co innego cebula.
Ona nie ma wnętrzności.
Jest sobą na wskroś cebula
do stopnia cebuliczności.
Cebulasta na zewnątrz,
cebulowa do rdzenia,
mogłaby wejrzeć w
siebie
cebula bez przerażenia.
W nas obczyzna i
dzikość
ledwie skórą przykryta,
inferno w nas
interny,
anatomia gwałtowna,
a w cebuli cebula,
nie pokrętne jelita.
Ona wielekroć naga,
do głębi itympodobna.
Byt niesprzeczny
cebula,
udany cebula twór.
W jednej po prostu
druga,
w większej mniejsza
zawarta,
a w następnej kolejna,
czyli trzecia i
czwarta.
Dośrodkowa fuga.
Echo złożone w chór.
Cebula, to ja
rozumiem:
najnadobniejszy
brzuch świata.
Sam się aureolami
na własną chwałę oplata.
W nas – tłuszcze,
nerwy, żyły,
śluzy i sekretności.
I jest nam odmówiony
idiotyzm doskonałości.
In: “Wielka Liczba”
(1976)
Cebolas
(Pierre-Auguste
Renoir: pintor francês)
A cebola
Outra coisa é a
cebola.
Ela não tem
interioridade.
É ela mesma, a
cebola,
o cúmulo da
cebolidade.
Cebolácea por fora,
cebolesca até o
centro,
poderia sem temor
se olhar por dentro.
Em nós exílio e
selvageria,
de pele mal e mal
revestidos,
um inferno interno,
uma anatomia delirante,
já na cebola –
cebola,
não intestinos
retorcidos.
Ela muitas vezes nua,
até o fundo e assim
por diante.
Um ser coeso a
cebola,
criação bem-sucedida,
quando uma camada se
descarta,
a menor na maior está
contida,
e na seguinte a sucessiva,
ou seja, a terceira e
a quarta.
Uma fuga centrípeta.
Um eco que em coro se
desenrola.
É isso a cebola:
do mundo o ventre
mais belo.
Para glória própria
de auréolas
se enrola como
novelo.
Em nós – gordura,
nervos, veias,
mucos e secreção.
E a nós é negada
a idiotice da
perfeição.
Em: “Um Grande
Número” (1976)
Referência:
SZYMBORSKA, Wisława.
Cebula / Cebola. Tradução de Regina Przybycien e Gabriel Borowski. In:
__________. Para o meu coração num domingo. Seleção, tradução e prefácio
de Regina Przybycien e Gabriel Borowski. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das
Letras, 2020. Em polonês: p. 158 e 160; em português: p. 159 e 161.
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Seu blog é um achado. Que legal saber que você mantém atualizado com diversas postagens, mesmo depois de muitos anos de criação. Muitas poesias, recomendações e referências de clássicos. Não conheço o senhor, mas quero agradecê-lo.
ResponderExcluirPrezado Giovane,
ExcluirMuitíssimo grato pelas palavras acerca do blog: elas me são um enorme incentivo para continuar a mantê-lo com um conteúdo que faça alguma diferença para todos que o visitam – a exemplo de você.
Um grande abraço,
João A. Rodrigues