Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 7 de junho de 2025

Wisława Szymborska - A cebola

Num contraste entre a simplicidade e a perfeição de uma cebola e a complexidade e as contradições do ser humano, a poetisa polonesa nos desafia a percebermos o quanto a nossa anatomia é “delirante”, cheia de elementos díspares e conflitos internos a nos impedirem de apresentar condutas mais prontamente compreensíveis e transparentes.

 

Não haveria nos humanos, segundo Szymborska, uma sucessão de camadas semelhantes e autoconsistentes, harmônicas e coerentes em sua continuidade – como na cebola –, senão uma composição intrincada a ocultar constituintes sob estratos de falsidade ou mistério “mal cobertos pela pele”, contingência que nos privaria da possibilidade de atingir a “idiotice da perfeição”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Wisława Szymborska

(1923-2012)

 

Cebula

 

Co innego cebula.

Ona nie ma wnętrzności.

Jest sobą na wskroś cebula

do stopnia cebuliczności.

Cebulasta na zewnątrz,

cebulowa do rdzenia,

mogłaby wejrzeć w siebie

cebula bez przerażenia.

 

W nas obczyzna i dzikość

ledwie skórą przykryta,

inferno w nas interny,

anatomia gwałtowna,

a w cebuli cebula,

nie pokrętne jelita.

Ona wielekroć naga,

do głębi itympodobna.

 

Byt niesprzeczny cebula,

udany cebula twór.

W jednej po prostu druga,

w większej mniejsza zawarta,

a w następnej kolejna,

czyli trzecia i czwarta.

Dośrodkowa fuga.

Echo złożone w chór.

 

Cebula, to ja rozumiem:

najnadobniejszy brzuch świata.

Sam się aureolami

na własną chwałę oplata.

W nas – tłuszcze, nerwy, żyły,

śluzy i sekretności.

I jest nam odmówiony

idiotyzm doskonałości.

 

In: “Wielka Liczba” (1976)

 

Cebolas

(Pierre-Auguste Renoir: pintor francês)

 

A cebola

 

Outra coisa é a cebola.

Ela não tem interioridade.

É ela mesma, a cebola,

o cúmulo da cebolidade.

Cebolácea por fora,

cebolesca até o centro,

poderia sem temor

se olhar por dentro.

 

Em nós exílio e selvageria,

de pele mal e mal revestidos,

um inferno interno,

uma anatomia delirante,

já na cebola – cebola,

não intestinos retorcidos.

Ela muitas vezes nua,

até o fundo e assim por diante.

 

Um ser coeso a cebola,

criação bem-sucedida,

quando uma camada se descarta,

a menor na maior está contida,

e na seguinte a sucessiva,

ou seja, a terceira e a quarta.

Uma fuga centrípeta.

Um eco que em coro se desenrola.

 

É isso a cebola:

do mundo o ventre mais belo.

Para glória própria de auréolas

se enrola como novelo.

Em nós – gordura, nervos, veias,

mucos e secreção.

E a nós é negada

a idiotice da perfeição.

 

Em: “Um Grande Número” (1976)

 

Referência:

 

SZYMBORSKA, Wisława. Cebula / Cebola. Tradução de Regina Przybycien e Gabriel Borowski. In: __________. Para o meu coração num domingo. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien e Gabriel Borowski. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2020. Em polonês: p. 158 e 160; em português: p. 159 e 161.

2 comentários:

  1. Seu blog é um achado. Que legal saber que você mantém atualizado com diversas postagens, mesmo depois de muitos anos de criação. Muitas poesias, recomendações e referências de clássicos. Não conheço o senhor, mas quero agradecê-lo.

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    1. Prezado Giovane,
      Muitíssimo grato pelas palavras acerca do blog: elas me são um enorme incentivo para continuar a mantê-lo com um conteúdo que faça alguma diferença para todos que o visitam – a exemplo de você.
      Um grande abraço,
      João A. Rodrigues

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