É sobre a árdua
tarefa do poeta, em seu intento de decifrar e plasmar a realidade através da
linguagem, que o autor venezuelano se põe a lucubrar nestes versos, ao fim dos
quais expõe a sua frustração frente à incapacidade de encontrar as palavras
exatas para capturar e expressar a essência do mundo que o rodeia.
Mesmo os
comportamentos humanos lhe são de difícil leitura – o jogo, a picardia, o
adultério –, numa frase, a singular condição que nos define, dificultando o
atingimento de um ponto de equilíbrio, de um padrão que resulte fiável para, de
plano, se capturar o céu e a terra, o tangível e o intangível, a essência
mesma, efêmera e luminosa, da vida.
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montejo
(1938-2008)
Alfabeto del mundo
En vano me demoro
deletreando
el alfabeto del
mundo.
Leo en las piedras un
oscuro sollozo,
ecos ahogados en
torres y edificios,
indago la tierra por
el tacto
llena de ríos,
paisajes y colores,
pero al copiarlos
siempre me equivoco.
Necesito escribir
ciñéndome a una raya
sobre el hilo del
horizonte.
Dibujar el milagro de
esos días
que flotan envueltos
en la luz
y se desprenden en
cantos de pájaros.
Cuando en la calle
los hombres que deambulan
de su rencor a su
fatiga, cavilando,
se me revelan más que
nunca inocentes.
Cuando el tahúr, el
pícaro, la adúltera,
los mártires del oro
o del amor
son sólo signos que
no he leído bien,
que aún no logro
anotar en mi cuaderno.
Cuánto quisiera, al
menos un instante
que esta plana febril
de poesía
grabe en su
transparencia cada letra:
la o del ladrón, la t
del santo
el gótico diptongo
del cuerpo y su deseo,
con la misma
escritura del mar en las arenas,
la misma cósmica
piedad
que la vida despliega
ante mis ojos.
O Passado
(Mikalojus K. Čiurlionis:
pintor lituano)
Alfabeto do mundo
Em vão me demoro a soletrar
o alfabeto do mundo.
Leio nas pedras um soluço
sombrio,
ecos afogados em
torres e edifícios,
sondando a terra pelo
tato
cheia de rios,
paisagens e cores,
mas ao copiá-los
engano-me sempre.
Preciso escrever cingindo-me
a uma risca
sobre o fio do
horizonte.
Desenhar o milagre
desses dias
Que flutuam envoltos
na luz
E se desprendem em
cantos de pássaros.
Quando na rua os
homens que divagam absortos
entre o rancor e o
cansaço que os domina,
revelam-se-me mais
inocentes do que nunca.
Quando o trapaceiro,
o malandro, a adúltera,
os mártires do ouro
ou do amor
são apenas sinais que
não decifrei bem,
Que ainda não consigo
anotar em meu caderno.
Como gostaria, pelo
menos por um momento,
Que esta página
febril de poesia
Gravasse em sua
transparência cada letra:
O “o” do ladrão, o
“t” do santo
o ditongo gótico do
corpo e do seu desejo,
com a mesma escrita
do mar nas areias,
a mesma cósmica
piedade
que a vida revela
diante dos meus olhos.
Referência:
MONTEJO, Eugenio.
Alfabeto del mundo. In: MIRANDA, Rocío (Ed.). 24 poetas latinoamericanos.
1. ed. México, D.F.: CIDCLI, 1997. p. 253. (Coedición ‘Latinoamericana’)
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