Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 8 de junho de 2025

Eugenio Montejo - Alfabeto do mundo

É sobre a árdua tarefa do poeta, em seu intento de decifrar e plasmar a realidade através da linguagem, que o autor venezuelano se põe a lucubrar nestes versos, ao fim dos quais expõe a sua frustração frente à incapacidade de encontrar as palavras exatas para capturar e expressar a essência do mundo que o rodeia.

 

Mesmo os comportamentos humanos lhe são de difícil leitura – o jogo, a picardia, o adultério –, numa frase, a singular condição que nos define, dificultando o atingimento de um ponto de equilíbrio, de um padrão que resulte fiável para, de plano, se capturar o céu e a terra, o tangível e o intangível, a essência mesma, efêmera e luminosa, da vida.

 

J.A.R. – H.C.

 

Eugenio Montejo

(1938-2008)

 

Alfabeto del mundo

 

En vano me demoro deletreando

el alfabeto del mundo.

Leo en las piedras un oscuro sollozo,

ecos ahogados en torres y edificios,

indago la tierra por el tacto

llena de ríos, paisajes y colores,

pero al copiarlos siempre me equivoco.

Necesito escribir ciñéndome a una raya

sobre el hilo del horizonte.

Dibujar el milagro de esos días

que flotan envueltos en la luz

y se desprenden en cantos de pájaros.

Cuando en la calle los hombres que deambulan

de su rencor a su fatiga, cavilando,

se me revelan más que nunca inocentes.

Cuando el tahúr, el pícaro, la adúltera,

los mártires del oro o del amor

son sólo signos que no he leído bien,

que aún no logro anotar en mi cuaderno.

Cuánto quisiera, al menos un instante

que esta plana febril de poesía

grabe en su transparencia cada letra:

la o del ladrón, la t del santo

el gótico diptongo del cuerpo y su deseo,

con la misma escritura del mar en las arenas,

la misma cósmica piedad

que la vida despliega ante mis ojos.

 

O Passado

(Mikalojus K. Čiurlionis: pintor lituano)

 

Alfabeto do mundo

 

Em vão me demoro a soletrar

o alfabeto do mundo.

Leio nas pedras um soluço sombrio,

ecos afogados em torres e edifícios,

sondando a terra pelo tato

cheia de rios, paisagens e cores,

mas ao copiá-los engano-me sempre.

Preciso escrever cingindo-me a uma risca

sobre o fio do horizonte.

Desenhar o milagre desses dias

Que flutuam envoltos na luz

E se desprendem em cantos de pássaros.

Quando na rua os homens que divagam absortos

entre o rancor e o cansaço que os domina,

revelam-se-me mais inocentes do que nunca.

Quando o trapaceiro, o malandro, a adúltera,

os mártires do ouro ou do amor

são apenas sinais que não decifrei bem,

Que ainda não consigo anotar em meu caderno.

Como gostaria, pelo menos por um momento,

Que esta página febril de poesia

Gravasse em sua transparência cada letra:

O “o” do ladrão, o “t” do santo

o ditongo gótico do corpo e do seu desejo,

com a mesma escrita do mar nas areias,

a mesma cósmica piedade

que a vida revela diante dos meus olhos.

 

Referência:

 

MONTEJO, Eugenio. Alfabeto del mundo. In: MIRANDA, Rocío (Ed.). 24 poetas latinoamericanos. 1. ed. México, D.F.: CIDCLI, 1997. p. 253. (Coedición ‘Latinoamericana’)

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