Como bem indica o seu
título, este poema de Torga é uma rogatória do poeta a Deus ou a uma força
superior para que, se não lhe puder trazer alguma inspiração poética – como um
nenúfar, uma flor pura e bela nascida no lodo –, que então lhe conceda o
silêncio e a paz interior, capazes de o libertar de sua agonia existencial, súplica
essa extensível aos demais poetas – os autênticos “sapos do atoleiro”.
O que, de fato, busca
o falante é aquela inconspurcada e elevada inspiração, apta a brilhar sobre as
misérias da condição humana, entre decadências e corrupções, para fazer resplandecer
a beleza que somente a criatividade transformadora, implícita na grande arte, logra
converter em autoconsciência, até mesmo em emoção, giro espiritual ou verdade.
J.A.R. – H.C.
Miguel Torga
(1907-1995)
Imploração
Um poema, Senhor!
Um nenúfar aberto
neste lodo!
Ou então desça todo
o teu silêncio
sobre o charco
tranquilo.
– Um silêncio tão
largo e tão pesado,
que nenhum condenado
possa ouvi-lo.
Alguns versos de
limpa transparência
à tona da maciça
podridão!
Branca e alta emoção
de purezas eternas
reflectidas.
Ou então,
que o teu silêncio
inteiro
aquiete, de todo, o
coração
dos poetas – os sapos
do atoleiro.
Em: “Penas do
purgatório” (1954)
Nenúfares Vermelhos
(Claude Monet: pintor
francês)
Referência:
TORGA, Miguel.
Imploração. In: __________. Antologia poética. 2. ed. aumentada.
Coimbra, PT: Gráfica de Coimbra, 1985. p. 168.
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