Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 24 de junho de 2025

Miguel Torga - Imploração

Como bem indica o seu título, este poema de Torga é uma rogatória do poeta a Deus ou a uma força superior para que, se não lhe puder trazer alguma inspiração poética – como um nenúfar, uma flor pura e bela nascida no lodo –, que então lhe conceda o silêncio e a paz interior, capazes de o libertar de sua agonia existencial, súplica essa extensível aos demais poetas – os autênticos “sapos do atoleiro”.

 

O que, de fato, busca o falante é aquela inconspurcada e elevada inspiração, apta a brilhar sobre as misérias da condição humana, entre decadências e corrupções, para fazer resplandecer a beleza que somente a criatividade transformadora, implícita na grande arte, logra converter em autoconsciência, até mesmo em emoção, giro espiritual ou verdade.

 

J.A.R. – H.C.

 

Miguel Torga

(1907-1995)

 

Imploração

 

Um poema, Senhor!

Um nenúfar aberto neste lodo!

Ou então desça todo

o teu silêncio

sobre o charco tranquilo.

– Um silêncio tão largo e tão pesado,

que nenhum condenado

possa ouvi-lo.

 

Alguns versos de limpa transparência

à tona da maciça podridão!

Branca e alta emoção

de purezas eternas reflectidas.

Ou então,

que o teu silêncio inteiro

aquiete, de todo, o coração

dos poetas – os sapos do atoleiro.

 

Em: “Penas do purgatório” (1954)

 

Nenúfares Vermelhos

(Claude Monet: pintor francês)

 

Referência:

 

TORGA, Miguel. Imploração. In: __________. Antologia poética. 2. ed. aumentada. Coimbra, PT: Gráfica de Coimbra, 1985. p. 168.

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