Auden tece um elogio
ao poder único da música enquanto “dádiva absoluta” e pura forma de arte, contrastando
o ofício do compositor ao de outras artes, como a pintura e a poesia, as quais,
transmitindo do mesmo modo beleza aos sentidos, requerem, nada obstante, certa “tradução”
ou representação da realidade externa, através do recurso a adaptações ou homologias
de elementos do tecido da vida.
A música é, de fato,
uma arte elevada capaz de curar a alma humana, permitindo-nos transcender as
limitações terrenais e existenciais. Afinal, como exprime o poeta no derradeiro
terceto, distintamente das outras formas de arte, ela não se presta a apontar
os erros em nossas existências, antes, nos brinda com consolo e aceitação, ao
nos indultar como se um vinho fosse.
J.A.R. – H.C.
W. H. Auden
(1907-1973)
The Composer
All the others
translate: the painter sketches
A visible world to
love or reject;
Rummaging into his
living, the poet fetches
The images out that
hurt and connect.
From Life to Art by
painstaking adaption,
Relying on us to
cover the rift;
Only your notes are
pure contraption,
Only your song is an
absolute gift.
Pour out your
presence, O delight, cascading
The falls of the knee
and the weirs of the spine,
Our climate of
silence and doubt invading;
You alone, alone, O
imaginary song,
Are unable to say an
existence is wrong,
And pour out your
forgiveness like a wine.
In: “Poems” (1930)
Johann Christian Bach
(Thomas Gainsborough:
pintor inglês)
O Compositor
Todos os outros
traduzem: o pintor esboça
Um mundo visível para
se apreciar ou rejeitar;
Remexendo em sua
vida, o poeta traz à luz
Imagens lancinantes e
aglutinadoras
Da Vida à Arte
mediante esmerada adaptação,
Contando conosco para
colimar as lacunas;
Mas as tuas notas, tão
apenas, são puro engenho;
Basta a tua canção
como dádiva absoluta.
Verte a tua presença,
ó deleite, cascateando
Pelos saltos dos
joelhos e os diques da coluna,
Invadindo o nosso
clima de dúvida e de silêncio;
Somente tu, tu apenas,
ó canção imaginária,
Mesmo incapaz de
expores os erros de uma existência,
Dispõe-te a derramar,
como um vinho, o teu perdão.
Em: “Poemas” (1930)
Referência:
AUDEN, W. H. The
composer. In: __________. The collected poetry of W. H. Auden. 6th
print. New York, NY: Random House, 1945. p. 5-6.
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