Entre a identidade
fragmentada e uma memória que tem lá as suas fragilidades – sendo como é, tão
enganosa e falível –, o falante expressa um desejo de renovação através do
contato com a natureza, com o objetivo de superar um passado que lhe parece não
recuperável por completo, rumo a algo desconhecido no futuro, mas que se
pautaria, decerto, por um estado de consciência mais elevado.
Como em muitos poemas
já aqui postados, estes versos de Crane revelam o interesse do ente lírico em compreender
melhor este mundo em fluxo constante de mudanças, deduzindo-lhe os significados,
tudo para dar sentido à viagem de sua alma em busca de si mesma, muito embora
reconheça a impossibilidade de captar o núcleo essencial de todas as coisas tão
apenas por meio de palavras, ou melhor, pela via da mente racional.
J.A.R. – H.C.
Hart Crane
(1899-1932)
Passage
Where the cedar leaf
divides the sky
I heard the sea.
In sapphire arenas of
the hills
I was promised an
improved infancy.
Sulking, sanctioning
the sun,
My memory I left in a
ravine,–
Casual louse that tissues
the buck-wheat,
Aprons rocks,
congregates pears
In moonlit bushels
And wakens alleys
with a hidden cough.
Dangerously the
summer burned
(I had joined the
entrainments of the wind).
The shadows of
boulders lengthened my back:
In the bronze gongs
of my cheeks
The rain dried
without odour.
“It is not long, it
is not long;
See where the red and
black
Vine-stanchioned
valleys–”: but the wind
Died speaking through
the ages that you know
And bug,
chimney-sooted heart of man!
So was I turned about
and back, much as your smoke
Compiles a too
well-known biography.
The evening was a
spear in the ravine
That throve through
very oak. And had I walked
The dozen particular
decimals of time?
Touching an opening
laurel, I found
A thief beneath, my
stolen book in hand.
“Why are you back
here – smiling an iron coffin?”
“To argue with the
laurel”, I replied:
“Am justified in
transience, fleeing
Under the constant
wonder of your eyes–.”
He closed the book.
And from the Ptolemies
Sand troughed us in a
glittering abyss.
A serpent swam a
vertex to the sun
– On unpaced beaches
leaned its tongue and
drummed.
What fountains did I
hear? What icy speeches?
Memory, committed to
the page, had broke.
A Memória
(René Magritte:
artista belga)
Passagem
Ali onde a folha do
cedro divide o céu
Eu ouvi o mar.
Nas arenas de safira
das montanhas
Recebi a promessa de
uma infância melhor.
Enfadada,
corroborando o sol,
Minha memória deixei
numa ravina:
– Piolho casual que
tece o trigal,
Veste rochedos, congrega
peras
Em alqueires
enluarados
E acorda as alamedas
com uma tosse oculta.
O verão queimou
perigosamente
(Eu me reunira ao
roldão do vento).
As sombras dos
penedos alongavam meu dorso:
Nos gongos de bronze
de minhas faces
A chuva secava sem
odor.
“Não demora, não
demora;
Veja os vales negros
e vermelhos
Eriçados de vinhas”...
Mas o vento
Morreu falando
através das idades que conheces
E abraças, ó coração
do homem, fuliginoso!
Assim, me voltei
sobre mim ao modo de teus fumos,
Revisando uma biografia
por demais conhecida.
O entardecer era um
dardo na ravina
Florescendo dentro de
um carvalho. Teria eu
Percorrido a exata
dúzia de decimais do tempo?
Tocando um loureiro
que se abria, encontrei
Debaixo dele um
ladrão com o livro que me roubara.
“Para que retornas –
sorrindo um esquife de ferro?”
“Para discutir com o
loureiro”, respondi.
“Justifica-me o
transitório, vivo a fugir
Sob o vagar constante
dos teus olhos...”
Ele fechou o livro. E
desde a areia
De Ptolomeu
despenhou-se comigo num abismo
resplandecente.
Uma serpente fez
nadar um vértice para o sol
E sobre praias
virgens estendeu a língua tamborilante.
Que fontes ouvira eu?
Que discurso de gelo?
Minha memória,
confinada à página, ruíra.
Referência:
CRANE, Hart. Passage
/ Passagem. Tradução de Jorge Wanderley. In: WANDERLEY, Jorge (Seleção,
tradução e notas). Antologia da nova poesia norte-americana. Rio de
Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1992. Em inglês: p. 170 e 172; em
português: p. 171 e 173.
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