A partir do título do
próprio poema, já se pode vislumbrar o teor deste poema do jusfilósofo paulista:
o ciclo completo e ineludível de nossas vidas, a compreender o nascimento, a
busca de identidade, os condicionamentos sociais, o anelo por liberdade plena e,
por fim, o declínio físico até a morte, quando o ser humano retorna ao pó do
qual se originara.
Detenho-me, particularmente,
nas estrofes que aludem à fase adulta, quando o ser humano procura deslindar os
seus próprios horizontes, tentando se libertar das imposições e das
expectativas da sociedade, para se comprazer em ver a si mesmo em estado de
plenitude, de autoconsciência, embora isso nem sempre ocorra, pois poucos,
verdadeiramente, conseguem se desembaraçar de tais sujeições, digo melhor, de
situações opressivas, rotinas ou convenções sociais limitantes.
J.A.R. – H.C.
Miguel Reale
(1910-2006)
O ciclo do homem
Tudo começa com um vagido
recusa de nascer
de assumir a imagem
que lhe querem dar.
O mundo invade o ser
frágil
para sempre
dependente,
sem nunca mais estar
só.
Reação momentânea.
à paisagem do mundo,
em busca do próprio
horizonte,
mas como resistir
â agressão coletiva,
olhos inconformados
de nunca a si mesmos
se verem?
Só resta a
autoconsciência
buscando um projeto
de vida
livre de opressão da
série,
do igual, do
quotidiano,
poucos logrando
desfazer o nó.
Depois, depois,
a suavidade das
avencas
esparramando a ramagem
pelo chão.
Força inercial do
declínio
pendendo a cabeça
dorida
rumo à terra
rumo à origem e à
suidade plena
encerrando o ciclo da
vida terrena
no pó.
A viagem da vida:
velhice
(Thomas Cole: pintor
anglo-americano)
Referência:
REALE, Miguel. O
ciclo do homem. In: BASTOS, Abguar et alii. 50 poetas do Clube de Poesia:
1945-1995. São Paulo, SP: Clube de Poesia, fev. 1995. p. 103-104.
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