Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 22 de junho de 2025

Miguel Reale - O ciclo do homem

A partir do título do próprio poema, já se pode vislumbrar o teor deste poema do jusfilósofo paulista: o ciclo completo e ineludível de nossas vidas, a compreender o nascimento, a busca de identidade, os condicionamentos sociais, o anelo por liberdade plena e, por fim, o declínio físico até a morte, quando o ser humano retorna ao pó do qual se originara.

 

Detenho-me, particularmente, nas estrofes que aludem à fase adulta, quando o ser humano procura deslindar os seus próprios horizontes, tentando se libertar das imposições e das expectativas da sociedade, para se comprazer em ver a si mesmo em estado de plenitude, de autoconsciência, embora isso nem sempre ocorra, pois poucos, verdadeiramente, conseguem se desembaraçar de tais sujeições, digo melhor, de situações opressivas, rotinas ou convenções sociais limitantes.

 

J.A.R. – H.C.

 

Miguel Reale

(1910-2006)

 

O ciclo do homem

 

Tudo começa com um vagido

recusa de nascer

de assumir a imagem

que lhe querem dar.

O mundo invade o ser frágil

para sempre dependente,

sem nunca mais estar só.

Reação momentânea.

à paisagem do mundo,

em busca do próprio horizonte,

mas como resistir

â agressão coletiva,

olhos inconformados

de nunca a si mesmos se verem?

Só resta a autoconsciência

buscando um projeto de vida

livre de opressão da série,

do igual, do quotidiano,

poucos logrando desfazer o nó.

 

Depois, depois,

a suavidade das avencas

esparramando a ramagem

pelo chão.

Força inercial do declínio

pendendo a cabeça dorida

rumo à terra

rumo à origem e à suidade plena

encerrando o ciclo da vida terrena

no pó.

 

A viagem da vida: velhice

(Thomas Cole: pintor anglo-americano)

 

Referência:

 

REALE, Miguel. O ciclo do homem. In: BASTOS, Abguar et alii. 50 poetas do Clube de Poesia: 1945-1995. São Paulo, SP: Clube de Poesia, fev. 1995. p. 103-104.

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