Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 7 de dezembro de 2024

Samuel Feijóo - Inventário

Como se sentisse perdido, incompleto, desenraizado ou fora de lugar, e necessitasse de ajuda para reencontrar o seu caminho, o poeta busca uma espécie de redenção ou consolo por meio da emissão de petições dirigidas a elementos ou bem naturais ou bem abstratos: água, árvore, errância, versos, ouro, tempo, corpo, alma, entre outros.

 

Sobressai na dicção do poema o desejo de restauração de sua própria identidade, de reconciliação do falante com o seu mundo interno, à procura de paz e de tranquilidade num mundo que lhe parece cheio de adversidades e de desconcerto: a bem da verdade, o tom existencialista dos versos são concordes ao tema perda, quando alguém se vê a sós, sem a presença física dos genitores que partiram há poucos dias, e passasse a se perceber, doravante, como o novo ponto de referência a partir do qual os de sua linha descendente vêm buscar a água viva da fonte, estando ele preparado ou não para tanto.

 

J.A.R. – H.C.

 

Samuel Feijóo

(1914-1992)

 

Recuento

 

Nada más puedo ser,

ayúdame tarde;

un caminante oscuro por la orilla

otoñal del agua)

ayúdame agua;

una canción perdida siempre

bajo un árbol apenas visible,

ayúdame árbol;

un ojo de niño condenado,

un enfermo que vaga sin ruta,

ayúdame errancia;

un poeta de puro sortilegio,

un tan vago sonido cayendo:

ayúdame verso;

un amor que ha encendido los fuegos

de oro, del joven oro:

oro, ayúdame.

 

Ah, vasto campo, tiempo tan bello

monótono cayendo en mi pérdida

fría, acude, ¿puedes

calentarme como una transida doncella

con tiernas pausas, correspondencias turbadas,

con pensamientos con el sueño de la yerba,

entrando en locura jubilosa

como llama vasta y santa, canto

vívido, honor del mundo?

 

Ah, cuerpo mío, condenado suave,

alma de mi cuerpo, sola de mi cuerpo, pájaro

anidando en su solo nido, su único

arrimo de pajas rotas, devuélveme, ayúdame:

hazte pacífico para que yo lo sea, restaura,

enloquece, suave, sonríe, heroico cae

en tu sórdido lecho noblemente si puedes.

 

Abril 11, 1956

(Muerte de mi madre)

 

(De: “La hoja deI poeta”, 1957)

 

Pintor deitado sob um guarda-chuva

numa clareira da floresta

(Carl Spitzweg: artista alemão)

 

Inventário

 

Nada mais posso ser,

ajude-me tarde;

um caminhante escuro pela beira

outonal da água,

ajude-me água;

uma canção sempre perdida

sob uma árvore apenas visível,

ajude-me árvore;

um olho de criança condenada,

um doente que vaga sem rumo,

ajude-me errância;

um poeta de puros presságios,

um som tão vago caindo:

ajude-me verso;

um amor que acendeu os fogos

de ouro, do jovem ouro:

ouro, ajude-me.

 

Ah, vasto campo, tempo tão belo

monótono caindo em minha perda

fria, acode. Pode

esquentar-me como uma transida donzela

com pausas ternas, correspondências turvas,

com pensamentos com o sonho da erva,

entrando em loucura jubilosa

como chama vasta e santa, canto

vívido, honra do mundo?

 

Ah, corpo meu, condenado suave,

alma de meu corpo, só de meu corpo, pássaro

aninhando em seu único ninho, seu único

arrimo de palhas rotas, devolva-me, ajude-me:

faça-se pacífico para que eu o seja, restaure,

enlouqueça, sorria suave, caia heroico,

nobremente, em seu sórdido leito, se puder. 

 

11 de Abril de 1956

(Morte de minha mãe)

 

(De: “A folha do poeta”, 1957) 

 

Referência:

 

FEIJÓO, Samuel. Recuento / Inventário. Tradução de Alai Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. In: LEMUS, Virgilio López (Seleção, prefácio e notas). Vinte poetas cubanos do século XX. Tradução de Alai Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. Edição bilíngue. Florianópolis, SC: Ed. da UFSC, 1995. Em espanhol: p. 140 e 142; em português: p. 141 e 143.

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