Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Mário Pederneiras - Natal D’Alva

Nestas nove quadras rimadas, impregnadas de uma beleza lírica e sensorial, Pederneiras descreve, com toda a sutileza da linguagem, a atmosfera matutina de um dia de Natal, desde as últimas trevas noturnas até os primeiros fulgores do alvorecer, conferindo-lhes, à vista do manifesto simbolismo religioso de que estão carregados os seus versos, um sentido transcendental, pleno de espiritualidade.

 

Sequenciado por farta imagística, em meio a símiles, anáforas e paralelismos, o poema nos revela a aurora natalina como o irromper de uma nova vida, em que a luz do sol há de vencer a escuridão de Satã, trazendo-nos a esperança de dias melhores, dias que se presumem – digo eu – de paz e concórdia, não de divisão ou de ações excludentes entre os homens.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mário Pederneiras

(1867-1915)

 

Natal D’Alva

 

Horas primeiras, mórbidas, brumáceas,

Fofas, do fofo flácido d’arminhos,

Da redolência pulcra das Acácias,

Baças, do baço dos primeiros linhos.

 

Dia em começo pela Serra oblonga...

Lentos, primeiros tons castos e alvos

E uma réstia de Luz trêfega e longa

S’esgueira álacre sobre os Campos malvos.

 

Restos de noite flácidos afasta

Puro, branco de gazes,

Na Conceição purificante e casta

De uma sonora e azul Manhã de Pazes.

 

Manhã primeira, d’alvas indolências,

De claros tons, diáfanos, empíreos,

Que enflora a Terra em noivas albescências

Para o Natal dos Lírios.

 

E Jó pausado pelos campos desce

Dessa brancura excelsa aureolado,

Solenemente lento, acarinhado

Das alegrias matinais da Prece.

 

A aragem canta o Ritual de um Coro.

De longe vê, numa brumal intensa,

Subindo ao Ar – toda velada de ouro –

A névoa fina que um Trigal incensa.

 

E quando longe o pasmo Olhar mergulha

Vê s’esgarçando a palidez da Hora.

É Satã que essa Luz ferve e borbulha

Para a infernal germinação d’Aurora.

 

Pouco a pouco se aloira

Dos horizontes toda a orla extensa

E para os céus vai se elevando loira

A névoa fina que um Trigal incensa.

 

E régio e petulante

Por alvuras de linho machucadas,

Passa um raio de Sol flavo e cantante

Griperlizando a luz das Alvoradas.

 

Ornamentações de Natal

(Lovis Corinth: pintor alemão)

 

Referência:

 

PEDERNEIRAS, Mário. Natal d’alva. In: RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (Introdução, seleção e notas). Poesia simbolista: antologia. São Paulo, SP: Melhoramentos, 1965. p. 192-193.

  

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