Nestas nove quadras
rimadas, impregnadas de uma beleza lírica e sensorial, Pederneiras descreve,
com toda a sutileza da linguagem, a atmosfera matutina de um dia de Natal,
desde as últimas trevas noturnas até os primeiros fulgores do alvorecer,
conferindo-lhes, à vista do manifesto simbolismo religioso de que estão
carregados os seus versos, um sentido transcendental, pleno de espiritualidade.
Sequenciado por farta
imagística, em meio a símiles, anáforas e paralelismos, o poema nos revela a aurora
natalina como o irromper de uma nova vida, em que a luz do sol há de vencer a
escuridão de Satã, trazendo-nos a esperança de dias melhores, dias que se
presumem – digo eu – de paz e concórdia, não de divisão ou de ações excludentes
entre os homens.
J.A.R. – H.C.
Mário Pederneiras
(1867-1915)
Natal D’Alva
Horas primeiras,
mórbidas, brumáceas,
Fofas, do fofo flácido
d’arminhos,
Da redolência pulcra
das Acácias,
Baças, do baço dos
primeiros linhos.
Dia em começo pela
Serra oblonga...
Lentos, primeiros
tons castos e alvos
E uma réstia de Luz
trêfega e longa
S’esgueira álacre
sobre os Campos malvos.
Restos de noite
flácidos afasta
Puro, branco de
gazes,
Na Conceição
purificante e casta
De uma sonora e azul
Manhã de Pazes.
Manhã primeira, d’alvas
indolências,
De claros tons,
diáfanos, empíreos,
Que enflora a Terra
em noivas albescências
Para o Natal dos
Lírios.
E Jó pausado pelos
campos desce
Dessa brancura excelsa
aureolado,
Solenemente lento,
acarinhado
Das alegrias matinais
da Prece.
A aragem canta o
Ritual de um Coro.
De longe vê, numa
brumal intensa,
Subindo ao Ar – toda
velada de ouro –
A névoa fina que um
Trigal incensa.
E quando longe o
pasmo Olhar mergulha
Vê s’esgarçando a
palidez da Hora.
É Satã que essa Luz
ferve e borbulha
Para a infernal
germinação d’Aurora.
Pouco a pouco se
aloira
Dos horizontes toda a
orla extensa
E para os céus vai se
elevando loira
A névoa fina que um
Trigal incensa.
E régio e petulante
Por alvuras de linho
machucadas,
Passa um raio de Sol
flavo e cantante
Griperlizando a luz
das Alvoradas.
Ornamentações de Natal
(Lovis Corinth:
pintor alemão)
Referência:
PEDERNEIRAS, Mário.
Natal d’alva. In: RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (Introdução, seleção e
notas). Poesia simbolista: antologia.
São Paulo, SP: Melhoramentos, 1965. p. 192-193.
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