Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 21 de dezembro de 2024

Abgar Renault - Em busca da estrela

Em busca de uma estrela enigmática que representa certa espécie de inquirição existencial, de viagem exploratória ao que se desconhece, entre o esquivo e o misterioso, o falante desvela o seu quase inalcançável anelo de transcendência: nessa jornada metafórica, persegue ele uma beleza elusiva e incomensurável – quiçá o Eterno –, os bastiões da verdade – quem sabe? –, ou ainda algum sentido maior para a vida.

 

Num mundo caótico e desorientador, mantém-se o ente lírico determinado em seu afã, ainda que venha a incorrer num interminável rastreio à “secreta linguagem” dessa viagem sem mapa, sem longe ou perto, algo como em que se costuma recair quando se está numa exploração espiritual, num esgaravateio da própria identidade, do próprio ser.

 

J.A.R. – H.C.

 

Abgar Renault

(1901-1995)

 

Em busca da estrela

 

Habitante de catástrofes,

aonde foste, onde estás?

Procuro-te em toda parte

e nunca sei encontrar-te.

Nem nas cidades sem rua,

nos arrabaldes da lua,

nem dentro das horas de ópio

o meu microtelescópio

descobriu o rastro tenso,

em que me sonho e me penso,

da estrela em forma de cacto.

Que firmamento ou que anfracto,

perdido de ti, e pálido,

possui o vestido cálido

que afagou as nebulosas,

o vinho, as ondas e as rosas

do teu subvertido corpo?

De que céu partiu o sopro

que te difundiu nos ares?

Em que súbitos algares

estarás oculta agora

enquanto te aguarda a aurora

para abrir-se novamente?

Há muito que é caos e poente

neste país que exilaste:

há luas já murchas na haste

de indizíveis espinheiros,

rios de prantos viajeiros;

e dilacerada túnica

veste a ausência total e única

e monta um cavalo de asas;

tem olhos que entram nas casas,

mãos que sentem escorrendo

as fluidas gotas do tempo;

anda em becos inimigos

e entre alabastros antigos,

viola nuvens eternas,

os pântanos e as cavernas

de reinos em abandono

sob os subsolos do sono.

Em finas, videntes quilhas

penetro invisíveis ilhas;

as mais diligentes sondas

em águas lisas ou de ondas,

de mentira ou de verdade,

lancei em profundidade;

perquiri hipotenusas

e tempestades difusas,

compassei todos os círculos,

guiei futuros veículos,

vi minha infância largada

no vão de uma antiga escada.

De procurar-te me perco

e me sufoco no cerco

que desmanchou o horizonte.

Em busca da tua fronte

lançarei meu pensamento,

e gastarei o momento

dos meus olhos e este grito

na prospecção do infinito.

Átona e vária beleza

sem nenhuma natureza,

qual a secreta linguagem

do itinerário da viagem

sem mapa, sem longe ou perto,

que abriu na luz um deserto?

 

A estrela sobre Belém

(Sue Hodge: artista australiana)

 

Referência:

 

RENAULT, Abgar. Em busca da estrela. In: __________. Obra poética. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1990. p. 21-22.

  

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