Em busca de uma estrela
enigmática que representa certa espécie de inquirição existencial, de viagem
exploratória ao que se desconhece, entre o esquivo e o misterioso, o falante desvela
o seu quase inalcançável anelo de transcendência: nessa jornada metafórica, persegue
ele uma beleza elusiva e incomensurável – quiçá o Eterno –, os bastiões da verdade
– quem sabe? –, ou ainda algum sentido maior para a vida.
Num mundo caótico e
desorientador, mantém-se o ente lírico determinado em seu afã, ainda que venha
a incorrer num interminável rastreio à “secreta linguagem” dessa viagem sem
mapa, sem longe ou perto, algo como em que se costuma recair quando se está numa
exploração espiritual, num esgaravateio da própria identidade, do próprio ser.
J.A.R. – H.C.
(1901-1995)
Em busca da estrela
Habitante de
catástrofes,
aonde foste, onde
estás?
Procuro-te em toda
parte
e nunca sei
encontrar-te.
Nem nas cidades sem
rua,
nos arrabaldes da
lua,
nem dentro das horas
de ópio
o meu microtelescópio
descobriu o rastro
tenso,
em que me sonho e me
penso,
da estrela em forma
de cacto.
Que firmamento ou que
anfracto,
perdido de ti, e
pálido,
possui o vestido cálido
que afagou as
nebulosas,
o vinho, as ondas e
as rosas
do teu subvertido
corpo?
De que céu partiu o
sopro
que te difundiu nos
ares?
Em que súbitos
algares
estarás oculta agora
enquanto te aguarda a
aurora
para abrir-se
novamente?
Há muito que é caos e
poente
neste país que
exilaste:
há luas já murchas na
haste
de indizíveis
espinheiros,
rios de prantos
viajeiros;
e dilacerada túnica
veste a ausência
total e única
e monta um cavalo de
asas;
tem olhos que entram
nas casas,
mãos que sentem escorrendo
as fluidas gotas do
tempo;
anda em becos
inimigos
e entre alabastros
antigos,
viola nuvens eternas,
os pântanos e as
cavernas
de reinos em abandono
sob os subsolos do
sono.
Em finas, videntes
quilhas
penetro invisíveis
ilhas;
as mais diligentes sondas
em águas lisas ou de
ondas,
de mentira ou de
verdade,
lancei em
profundidade;
perquiri hipotenusas
e tempestades
difusas,
compassei todos os
círculos,
guiei futuros
veículos,
vi minha infância
largada
no vão de uma antiga
escada.
De procurar-te me perco
e me sufoco no cerco
que desmanchou o
horizonte.
Em busca da tua
fronte
lançarei meu
pensamento,
e gastarei o momento
dos meus olhos e este
grito
na prospecção do
infinito.
Átona e vária beleza
sem nenhuma natureza,
qual a secreta
linguagem
do itinerário da
viagem
sem mapa, sem longe
ou perto,
que abriu na luz um
deserto?
A estrela sobre Belém
(Sue Hodge: artista
australiana)
Referência:
RENAULT, Abgar. Em
busca da estrela. In: __________. Obra poética. Rio de Janeiro, RJ:
Record, 1990. p. 21-22.
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