Junqueira, neste
poema aberto a múltiplas leituras ou interpretações, explora a complexidade
emocional da temporada natalina, mesclando elementos de celebração, mitologia e
perda, para evocar a memória de um momento específico e marcante em sua infância,
dividido com um amigo ou familiar que já não está presente.
Premonição e agonia, suscitadas
pelos Magos entre “migalhas de martírio”, são os componentes que contrastam com
o ambiente festivo, ao amparo de uma árvore adornada a rigor para a quadra
solene. Mais ao fundo, nada obstante, uma figura morre na cruz, o que dá o tom
necessário para justificar a presença da palavra “elegia” no título do poema.
J.A.R. – H.C.
Ivan Junqueira
(1934-2014)
Natal, uma elegia
Brincávamos os dois.
Era dezembro. E havia
no ar algo de festa,
de prenúncio e de
agonia.
Era dezembro. Os bichos
do presepe já o
sabiam
e os Magos, ao invés
de mirra, nos traziam
migalhas de martírio.
A árvore era bela
e de seu vértice
pendiam
elfos, gnomos,
querubins
– todo esse elenco
fugidio
de mito e fantasia.
(Ao fundo alguém
morria
em vão num crucifixo.)
Era dezembro. Chovia.
Estavas de partida. E
nós,
nós que brincávamos
sozinhos,
somente nós (quanto
sigilo!)
de tudo então
sabíamos.
Depois é que se
ouviram
o som das ladainhas,
o sussurro dos círios
e as súplicas da
missa
dita de sétimo dia.
Em: “O Grifo”
(1983-1986)
Crianças ao Redor da
Árvore de Natal
(Leopold G. von
Kalckreuth: pintor alemão)
Referência:
JUNQUEIRA, Ivan.
Natal, uma elegia. In: __________. Poemas reunidos. Rio de Janeiro, RJ:
Record, 1999. p. 159.
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