Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Norman Nicholson - A Lebre Domesticada de Cowper

Fazendo referência ao também poeta e compositor anglicano William Cowper (1731-1800), Nicholson evoca a imagem de uma lebre que, em sonhos, visita o protagonista, enchendo esses encontros oníricos com uma sensação de mistério, a ponto de fundir o mágico com o mundano, o celestial com o quotidiano, o divino com o terrenal, para consubstanciar, em síntese, uma visão livre das balizas da consciência racional.

 

O fato é que a lebre, entre a sua visão idealizada e a realidade tangível a que possa estar atrelada, acaba por se converter num símbolo que transcende a iconografia religiosa convencional, apresentando uma faceta etérea, quase mítica, sem deixar de se vincular à vida ordinária, com suas experiências simples, quando então passa a personificar o lado domado de uma natureza selvagem, desvestido de qualquer fundo de malícia.

 

J.A.R. – H.C.

 

Norman Nicholson

(1914-1987)

 

Cowper’s Tame Hare

 

She came to him in dreams – her ears

Diddering like antennae, and her eyes

Wide as dark flowers where the dew

Holds and dissolves a purple hoard of shadow.

The thunder clouds crouched back, and the world opened

Tiny and bright as celandine after rain.

A gentle light was on her, so that he

Who saw the talons in the vetch

Remembered now how buttercup and daisy

Would bounce like springs when a child’s foot stepped off them.

Oh, but never dared he touch –

Her fur was still electric to the fingers.

 

Yet of all the beasts blazoned in gilt and blood

In the black-bound scriptures of his mind,

Pentecostal dove and paschal lamb,

Eagle, lion, serpent, she alone

Lived also in the noon of ducks and sparrows;

And the cleft-mouthed kiss which plugged the night with fever

Was sweetened by a lunch of docks and lettuce.

 

Lebre entre plumas de dentes de leão

(Robert E. Fuller: artista inglês)

 

A Lebre Domesticada de Cowper

 

Ela veio ter com ele em sonhos – as suas orelhas

Vibrando como antenas, e seus olhos

Arregalados como flores escuras nas quais o orvalho

Retinha e dissolvia um cúmulo púrpura de sombras.

As nuvens tormentosas logo recuaram e o mundo se abriu

Diminuto e brilhante como a celidônia depois da chuva.

Uma suave luz incidia sobre ela, de modo que ele,

Ao ver as garras na ervilhaca,

Lembrava-se agora de como os ranúnculos e a margaridas

Saltavam feito molas quando o pé de uma criança os pisava.

Oh, mas ele nunca ousou tocá-la –

O seu pelo ainda estava elétrico para os dedos.

 

No entanto, de todas as feras brasonadas em dourado e sangue

Nas escrituras encadernadas em negro de sua mente

– A pomba pentecostal e o cordeiro pascal,

A águia, o leão e a serpente –, somente ela,

Além de patos e pardais, resistiram ao rigor do sol a pino;

E o beijo de lábios fendidos, que encheu a noite de febre,

Dulcificou-se por um repasto de labaças e alface.

 

Referência:

 

NICHOLSON, Norman. Cowper’s tame hare. In: HEANEY, Seamus; HUGHES, Ted (Eds.). The rattle bag. 1st publ. London, EN: Faber and Faber, 1982. p. 114.

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