Fazendo referência ao
também poeta e compositor anglicano William Cowper (1731-1800), Nicholson evoca
a imagem de uma lebre que, em sonhos, visita o protagonista, enchendo esses
encontros oníricos com uma sensação de mistério, a ponto de fundir o mágico com
o mundano, o celestial com o quotidiano, o divino com o terrenal, para consubstanciar,
em síntese, uma visão livre das balizas da consciência racional.
O fato é que a lebre,
entre a sua visão idealizada e a realidade tangível a que possa estar atrelada,
acaba por se converter num símbolo que transcende a iconografia religiosa
convencional, apresentando uma faceta etérea, quase mítica, sem deixar de se
vincular à vida ordinária, com suas experiências simples, quando então passa a personificar
o lado domado de uma natureza selvagem, desvestido de qualquer fundo de malícia.
J.A.R. – H.C.
Norman Nicholson
(1914-1987)
She came to him in dreams – her ears
Diddering like antennae, and her eyes
Wide as dark flowers where the dew
Holds and dissolves a purple hoard of shadow.
The thunder clouds crouched back, and the world
opened
Tiny and bright as celandine after rain.
A gentle light was on her, so that he
Who saw the talons in the vetch
Remembered now how buttercup and daisy
Would bounce like springs when a child’s foot
stepped off them.
Oh, but never dared he touch –
Her fur was still electric to the fingers.
Yet of all the beasts blazoned in gilt and blood
In the black-bound scriptures of his mind,
Pentecostal dove and paschal lamb,
Eagle, lion, serpent, she alone
Lived also in the noon of ducks and sparrows;
And the cleft-mouthed kiss which plugged the night
with fever
Was sweetened by a lunch of docks and lettuce.
Lebre entre plumas de
dentes de leão
(Robert E. Fuller: artista
inglês)
A Lebre Domesticada
de Cowper
Ela veio ter com ele
em sonhos – as suas orelhas
Vibrando como
antenas, e seus olhos
Arregalados como
flores escuras nas quais o orvalho
Retinha e dissolvia um
cúmulo púrpura de sombras.
As nuvens tormentosas
logo recuaram e o mundo se abriu
Diminuto e brilhante
como a celidônia depois da chuva.
Uma suave luz incidia
sobre ela, de modo que ele,
Ao ver as garras na
ervilhaca,
Lembrava-se agora de
como os ranúnculos e a margaridas
Saltavam feito molas
quando o pé de uma criança os pisava.
Oh, mas ele nunca
ousou tocá-la –
O seu pelo ainda
estava elétrico para os dedos.
No entanto, de todas
as feras brasonadas em dourado e sangue
Nas escrituras
encadernadas em negro de sua mente
– A pomba pentecostal
e o cordeiro pascal,
A águia, o leão e a
serpente –, somente ela,
Além de patos e
pardais, resistiram ao rigor do sol a pino;
E o beijo de lábios
fendidos, que encheu a noite de febre,
Dulcificou-se por um
repasto de labaças e alface.
Referência:
NICHOLSON, Norman. Cowper’s
tame hare. In: HEANEY, Seamus; HUGHES, Ted (Eds.). The rattle bag. 1st
publ. London, EN: Faber and Faber, 1982. p. 114.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário