Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 1 de dezembro de 2024

Gilberto Mendonça Teles - O visionário

A sombra de uma cruz que se pressupõe divina, com alcance e poder para vencer o mal, abre espaços à clarividência e à iluminação, trazendo vida e abundância àqueles que, por meio dela, deixam-se transformar por sua mensagem de amor, mensagem essa capaz de ser um robusto elemento divisor a discernir e separar as águas da verdade, indiferenciadas no turbulento mar das paixões humanas.

 

A rigor, o poema de Teles permite inúmeras interpretações, mas a que me parece mais ostensiva é exatamente a que acima declino, ou seja, a afirmar o poder do amor para superar o mal e a escuridão. Poder-se-ia, nada obstante, em função do título do poema – “O visionário” –, atribuir-se o cenário nele descrito, por exemplo, à visão dos jesuítas em geral (ou a algum deles, em específico) que aqui estiveram à época do descobrimento do Brasil, trazendo o cristianismo às terras de Pindorama.

 

J.A.R. – H.C.

 

Gilberto Mendonça Teles

(n. 1931)

 

O visionário

 

E vai a sombra da cruz

se projetou no horizonte

e veio vindo nos campos,

roçando estradas e rios,

aplainando num só corpo

as depressões e montanhas

e endireitando as veredas

e os caminhos.

 Sombra imensa

que foi desfazendo as trevas,

serrando troncos cansados,

cegando os olhos das feras,

abrindo os olhos das aves

e as cobras todas queimando,

multiplicando os insetos

e os frutos multiplicando,

fazendo peixe das folhas

e nas pedras assoprando

um pensamento de amor.

Então as pedras tremeram,

se levantaram cantando

e foram seguindo o rumo

da sombra que se afastava

para o seu rumo nenhum.

Mas quando a sombra chegou

à linha d'água da praia

e como um pássaro leve

se deslizou pelo mar,

o vento que não soprava

se pôs furioso a soprar

e as águas que eram um só corpo

tiveram que separar-se:

um grande túnel de vidro

foi devorando o silêncio

da sombra que se entregava

pousando o braço direito

nos ombros da humanidade.

 

Em: “Pássaro de Pedra” (1962)

 

Destino Humano

(Alfred Kubin: artista austríaco)

 

Referência:

 

TELES, Gilberto Mendonça. O visionário. In: __________. Melhores poemas de Gilberto Mendonça Teles. Seleção de Luiz Busatto. 4. ed. revista, ampliada e atualizada. São Paulo, SP: Global, 2007. p. 50-51. (Coleção ‘Melhores Poemas’)

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