A sombra de uma cruz
que se pressupõe divina, com alcance e poder para vencer o mal, abre espaços à
clarividência e à iluminação, trazendo vida e abundância àqueles que, por meio
dela, deixam-se transformar por sua mensagem de amor, mensagem essa capaz de
ser um robusto elemento divisor a discernir e separar as águas da verdade, indiferenciadas
no turbulento mar das paixões humanas.
A rigor, o poema de
Teles permite inúmeras interpretações, mas a que me parece mais ostensiva é
exatamente a que acima declino, ou seja, a afirmar o poder do amor para superar
o mal e a escuridão. Poder-se-ia, nada obstante, em função do título do poema –
“O visionário” –, atribuir-se o cenário nele descrito, por exemplo, à visão dos
jesuítas em geral (ou a algum deles, em específico) que aqui estiveram à época
do descobrimento do Brasil, trazendo o cristianismo às terras de Pindorama.
J.A.R. – H.C.
Gilberto Mendonça
Teles
(n. 1931)
O visionário
E vai a sombra da
cruz
se projetou no
horizonte
e veio vindo nos
campos,
roçando estradas e
rios,
aplainando num só
corpo
as depressões e
montanhas
e endireitando as
veredas
e os caminhos.
Sombra imensa
que foi desfazendo as
trevas,
serrando troncos
cansados,
cegando os olhos das
feras,
abrindo os olhos das
aves
e as cobras todas
queimando,
multiplicando os
insetos
e os frutos
multiplicando,
fazendo peixe das
folhas
e nas pedras
assoprando
um pensamento de
amor.
Então as pedras
tremeram,
se levantaram
cantando
e foram seguindo o
rumo
da sombra que se
afastava
para o seu rumo
nenhum.
Mas quando a sombra
chegou
à linha d'água da
praia
e como um pássaro
leve
se deslizou pelo mar,
o vento que não
soprava
se pôs furioso a
soprar
e as águas que eram
um só corpo
tiveram que
separar-se:
um grande túnel de
vidro
foi devorando o
silêncio
da sombra que se
entregava
pousando o braço
direito
nos ombros da
humanidade.
Em: “Pássaro de
Pedra” (1962)
Destino Humano
(Alfred Kubin:
artista austríaco)
Referência:
TELES, Gilberto
Mendonça. O visionário. In: __________. Melhores poemas de Gilberto Mendonça
Teles. Seleção de Luiz Busatto. 4. ed. revista, ampliada e atualizada. São
Paulo, SP: Global, 2007. p. 50-51. (Coleção ‘Melhores Poemas’)
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