A partir da metáfora
que lhe vai no título, este poema de Fiama poderia, s.m.j., ser interpretado
como a busca de uma revalorização do aparentemente pequeno e desdenhado, pois
que a verdadeira essência, de algo (a exemplo do teatro português, cuja história a voz lírica desaprova) ou de alguém, poderia residir exatamente naquilo que comumente se
considera menos relevante, dando um giro libertador à perspectiva que se tem da
realidade.
Aquilo que se nos
apresenta, de um lado, como enleado à natureza, e de outro, como um construto
da cultura e das convenções sociais, incorporam-se ao cadinho da imaginação, imaginação
essa que, alheia às balizas da filosofia estabelecida, ou mesmo da semântica e
dos significados ditos convencionais, pode muito bem desatar o corpo e a mente para
novas propostas, mais livres e espontâneas em relação ao meramente racional,
centradas nas sensações do mundo, sem maiores zelos pela melhor acepção com
que as coisas devem ser tomadas, tampouco pelos propósitos que lhe são
correlatos.
J.A.R. – H.C.
Fiama Hasse Pais
Brandão
(1938-2007)
A Ideia de Árvore que
Pertence ao Arbusto
Enquanto o pio
pertence à própria ave esclareço
que me vieste
libertar da apropriação das coisas próprias,
da atribuição dos
denominadores às coisas, da técnica
flagrante de
meditação. A imaginação serena,
depois de que o sabor
me fez suspender
a Natureza para a
nova proposta da cultura.
Fechei o olhar, e
tudo o que esplende e passava
pela paleografia, a
minha secreta fase, ordena
que para além da
volúpia da insignificância
da significação,
embora lhe chamem semiótica,
eu designe o meu
corpo infiel à filosofia e fiel a ti mesmo.
Deste modo procurei
descrever a linha radial dos arbustos
que hoje posso
colocar imediatamente como numa écloga: falo-te
segundo a lei da
variação onomástica do género pastoral,
em nome do teu nome.
Distingo-te do tom de Piério
com a maior exaltação
de um amante. O amor tende
e distende o júbilo
da periferia desta folha túmida,
é o conjunto da minha
consciência do teu corpo
e da minha abjuração
da história do teatro
português, enquanto a figura de árvore
pertence àquele
arbusto.
Em: “Novas Visões do
Passado” (1975)
Podocarpus Latifolius
e Trepadeiras
em Perie Bush (ZA)
(Marianne North:
artista inglesa)
Referência:
BRANDÃO, Fiama Hasse Pais. Obra breve: poesia reunida. Prefácio de Eduardo Lourenço. Lisboa: Assírio & Alvim, 2006. p. 193-194.
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