Sob a metáfora dos
sentidos, a voz lírica busca estabelecer uma relação de intimidade e
proximidade com o divino, embora não exatamente – claro está – de ordem física,
a despeito de afirmar a sua onipresença por meio do toque, do pensamento e do amor
que lhe expressa, numa devoção que se consolida para além de toda a compreensão
humana.
Na prevalência do
espiritual, encurta-se a distância entre o humano e o divino, tornando presença
o numinoso na vida de cada um de nós, induzindo-nos a transcendermos o ordinário
e o mundano, para que então possamos alcançar um sentimento de beatitude mais
conforme às palavras daquele que, há dois milênios, aqui esteve a semear uma
mensagem de amor incondicional.
J.A.R. – H.C.
Armindo Trevisan
(n. 1933)
Noite Feliz
Embora minhas
palavras
não cheguem aos Teus
ouvidos
– porque não tens
ouvidos;
embora minha voz
não penetre o Teu coração
– porque não tens
coração;
embora eu entregue ao
vento
minha dor e alegria
e ele as carregue até
às nuvens
– onde não estás;
embora de dia e de
noite
meus olhos Te queiram
ver
– e só vejam uma
sombra
de Tua sombra;
embora eu Te compare
à luz,
e Tua luz apague
o sol e o meu próprio
pensamento:
Teus ouvidos são meus
ouvidos,
Tua voz é minha voz,
e Teus olhos iluminam
a escuridão
na qual nasci, na
qual vivo, na qual morrerei
– tocando-Te onde não
podes ser tocado,
pensando-Te onde não
podes ser pensado,
amando-Te para ser
amado.
A Adoração dos
Pastores
(Caravaggio: artista
italiano)
Referência:
TREVISAN, Armindo.
Noite feliz. In: __________. Nova antologia poética: 1967-2001. Porto
Alegre, RS: Sulina, 2001. p. 168.
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