Mesmo que a morte
seja, indiscutivelmente, o tema principal deste poema de Oliver, suponho que
poderíamos tomá-lo como uma metáfora para todos os fins de ciclo – como um ano
que se encerra –, quando esperamos entrar numa fase de transição para uma nova
forma de ser, mais aprimorada, a espelhar a luz, símbolo maior de uma
verdadeira transformação e catarse.
O mocho branco é o
ícone desse traspasse, não como um termo soturno, senão como um equivalente a
um brilho “aórtico”, tudo para denotar a aliança do eu a algo maior, uma fusão
com a essência mesma da vida, para além das limitações deste plano terrenal: a
beleza, a precisão e a graça com que o mocho aparece e desaparece são como que
a elegância e a inevitabilidade dos ciclos em nossas finitas existências.
J.A.R. – H.C.
Mary Oliver
(1935-2019)
White Owl Flies Into
and Out of the Field
Coming down out of
the freezing sky
with its depths of
light,
like an angel, or a
Buddha with wings,
it was beautiful, and
accurate,
striking the snow and
whatever was there
with a force that
left the imprint
of the tips of its
wings – five feet apart –
and the grabbing
thrust of its feet,
and the indentation
of what had been running
through the white
valleys of the snow –
and then it rose,
gracefully,
and flew back to the
frozen marshes
to lurk there, like a
little lighthouse,
in the blue shadows –
so I thought:
maybe death isn’t
darkness, after all,
but so much light
wrapping itself around us –
as soft as feathers –
that we are instantly
weary of looking, and looking,
and shut our eyes,
not without amazement,
and let ourselves be
carried,
as through the
translucence of mica,
to the river that is
without the least dapple or shadow,
that is nothing but
light – scalding, aortal light –
in which we are
washed and washed
out of our bones.
Corujas Nevadas
(John J. Audubon:
naturalista franco-americano)
Uma Coruja Branca
Entra e Sai Voando Sobre a Pradaria
Descendo de um céu
glacial
com seus abismos de
luz,
feito um anjo ou um
Buda com asas,
era bela e certeira,
atingindo a neve e o
que quer que lá houvesse
com uma força que
deixou a marca
da ponta de suas asas
– a cinco pés de distância –
e o impulso captor de
suas garras,
além de uma cissura sobre
o que estava se passando
por entre os vales
brancos da neve –;
a seguir, ergueu-se
graciosamente,
alçando voo em
regresso aos pântanos congelados
para ali se esconder,
como um pequeno farol,
entre as sombras
azuis –
e então eu pensei:
talvez a morte não
seja, afinal, a escuridão,
mas tanta luz a enroscar-se
à nossa volta –
tão suave quanto
plumas –
que de tanto as fitar
e fitar, logo nos cansamos,
e fechamos os olhos,
não sem espanto,
e deixamo-nos levar,
como se através da
translucidez de uma mica,
até o rio que não tem
a menor mancha ou sombra,
que nada é senão luz
– luz escaldante, aórtica –
na qual somos lavados
e lavados
até os nossos ossos.
Referência:
OLIVER, Mary. White owl flies into and out of the field. In: __________. House of light. Boston, MA: Beacon Press, 1990. p. 79.
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