Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 8 de dezembro de 2024

Pablo Neruda - A verdade

A verdade, segundo o poeta, é complexa e, com frequência, contraditória, não sendo possível reduzi-la a uma só fórmula ou definição, pois que, como o mar, se nos revela sempre em movimento e cambiante: crê o falante que a verdade se encontra na busca e na descoberta, estando mais além daquilo que pela lógica ou pela razão pretensamente deduzimos.

 

Somos humanos e, desse modo, imperfeitos o suficiente para que, de nossos equívocos, possamos aprender as correspondentes lições: não aos extremos, nesta beira, da racionalidade excessiva, da rigidez ou da infalibilidade quanto ao que, de fato, se conhece de modo sempre tão precário, e na orla oposta, da perdição vacante no reino das ideias, sem atualização prática, se não as invocarmos a uma condição de presença.

 

J.A.R. – H.C.

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

La verdad

 

Os amo idealismo y realismo,

como agua y piedra

sois

partes del mundo,

luz y raíz del árbol de la vida.

 

No me cierren los ojos

aun después de muerto,

los necesitaré aún para aprender,

para mirar y comprender mi muerte.

 

Necesito mi boca

para cantar después, cuando no exista.

Y mi alma y mis manos y mi cuerpo

para seguirte amando, amada mía.

 

Sé que no puede ser, pero esto quise.

 

Amo lo que no tiene sino sueños.

 

Tengo un jardín de flores que no existen.

 

Soy decididamente triangular.

 

Aún echo de menos mis orejas,

pero las enrrollé para dejarlas

en un puerto fluvial del interior

de la República de Malagueta.

 

No puedo más con la razón al hombro.

 

Quiero inventar el mar de cada día.

 

Vino una vez a verme

un gran pintor que pintaba soldados.

Todos eran heróicos y el buen hombre

los pintaba en el campo de batalla

muriéndose de gusto.

 

También pintaba vacas realistas

y eran tan extremadamente vacas

que uno se iba poniendo melancólico

y dispuesto a rumiar eternamente.

 

Execración y horror! Leí novelas

interminablemente bondadosas

y tantos versos sobre

el Primero de Mayo

que ahora escribo sólo sobre el 2 de ese mes.

 

Parece ser que el hombre

atropella el paisaje

y ya la carretera que antes tenía cielo

ahora nos agobia

con su empecinamiento comercial.

 

Así suele pasar con la belleza

como si no quisiéramos comprarla

y la empaquetan a su gusto y modo.

 

Hay que dejar que baile la belleza

con los galanes más inaceptables,

entre el día y la noche:

no la obliguemos a tomar la píldora

de la verdad como una medicina.

 

Y lo real? También, sin duda alguna,

pero que nos aumente,

que nos alargue, que nos haga fríos,

que nos redacte

tanto el orden del pan como el del alma.

 

A susurrar! ordeno

al bosque puro,

a que diga en secreto su secreto

y a la verdad: No te detengas tanto

que te endurezcas hasta la mentira.

 

No soy rector de nada, no dirijo,

y por eso atesoro

las equivocaciones de mi canto.

 

De: “Memorial de Isla Negra” (1964)

 

Cavaleiro numa encruzilhada

(Viktor Vasnetsov: pintor russo)

 

A verdade

 

Amo-vos idealismo e realismo,

como água e pedra

sois

partes do mundo,

luz e raiz da árvore da vida.

 

Não fecheis meus olhos

mesmo depois de morto:

continuarei a precisar deles para aprender,

para assistir e compreender a minha morte.

 

Preciso da minha boca

para cantar mais tarde, quando eu não existir.

E de minha alma, de minhas mãos e de meu corpo

para continuar te amando, amada minha.

 

Sei que não pode ser, mas era isso o que eu queria.

 

Amo o que não tem nada além de sonhos.

 

Tenho um jardim de flores que não existem.

 

Sou decididamente triangular.

 

Ainda sinto falta das minhas orelhas,

mas enrolei-as para as deixar

no porto fluvial do interior

da República de Malagueta.

 

Não posso mais com a razão ao ombro.

 

Quero inventar o mar de cada dia.

 

Veio ver-me uma vez

um grande artista que pintava soldados.

Eram todos heroicos e o bom homem

pintava-os no campo de batalha

morrendo de prazer.

 

Também pintava vacas realistas

e eram tão extremamente vacas

que nos tornávamos melancólicos

e dispostos a ruminar eternamente.

 

Execração e horror! Li romances

infinitamente compassivos

e tantos versos sobre

o Primeiro de Maio

que agora escrevo apenas sobre o dia 2 desse mês.

 

Parece que o homem

atropela a paisagem

e então a estrada que antes tinha um céu

agora nos oprime

com a sua teimosia comercial.

 

Assim é o que acontece amiúde com a beleza,

como se não a quiséssemos comprar

e eles a embalassem a seu gosto e modo.

 

Há que deixar que a beleza dance

com os galãs mais inaceitáveis,

entre o dia e a noite:

não a obriguemos a tomar a pílula

da verdade como um remédio.

 

E o real? Também, sem dúvida alguma,

mas que nos aumente,

que nos alongue, que nos torne frios,

que nos redija

tanto a ordem do pão quanto a da alma.

 

A sussurrar! ordeno

ao bosque puro,

para que diga em segredo o seu segredo

e à verdade: Não te detenhas tanto

que te endureças até a mentira.

 

Não sou reitor de nada, não comando,

e é por isso que valorizo

os equívocos do meu canto.

 

Em: “Memorial da Ilha Negra” (1964)

 

Referência:

 

NERUDA, Pablo. La verdad. In: JIMÉNEZ, José Olivio (Selección, prólogo y notas). Antología de la poesía hispanoamericana contemporánea: 1914-1970. 7. ed. Madrid, ES: Alianza Editorial, 1984. p. 323-325. (‘El Libro de Bolsillo’)

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