A verdade, segundo o
poeta, é complexa e, com frequência, contraditória, não sendo possível
reduzi-la a uma só fórmula ou definição, pois que, como o mar, se nos revela
sempre em movimento e cambiante: crê o falante que a verdade se encontra na
busca e na descoberta, estando mais além daquilo que pela lógica ou pela razão pretensamente
deduzimos.
Somos humanos e, desse
modo, imperfeitos o suficiente para que, de nossos equívocos, possamos aprender
as correspondentes lições: não aos extremos, nesta beira, da racionalidade excessiva,
da rigidez ou da infalibilidade quanto ao que, de fato, se conhece de modo
sempre tão precário, e na orla oposta, da perdição vacante no reino das ideias,
sem atualização prática, se não as invocarmos a uma condição de presença.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
La verdad
Os amo idealismo y
realismo,
como agua y piedra
sois
partes del mundo,
luz y raíz del árbol
de la vida.
No me cierren los
ojos
aun después de
muerto,
los necesitaré aún
para aprender,
para mirar y
comprender mi muerte.
Necesito mi boca
para cantar después,
cuando no exista.
Y mi alma y mis manos
y mi cuerpo
para seguirte amando,
amada mía.
Sé que no puede ser,
pero esto quise.
Amo lo que no tiene
sino sueños.
Tengo un jardín de
flores que no existen.
Soy decididamente
triangular.
Aún echo de menos mis
orejas,
pero las enrrollé
para dejarlas
en un puerto fluvial
del interior
de la República de Malagueta.
No puedo más con la
razón al hombro.
Quiero inventar el
mar de cada día.
Vino una vez a verme
un gran pintor que
pintaba soldados.
Todos eran heróicos y
el buen hombre
los pintaba en el
campo de batalla
muriéndose de gusto.
También pintaba vacas
realistas
y eran tan
extremadamente vacas
que uno se iba
poniendo melancólico
y dispuesto a rumiar
eternamente.
Execración y horror!
Leí novelas
interminablemente
bondadosas
y tantos versos sobre
el Primero de Mayo
que ahora escribo
sólo sobre el 2 de ese mes.
Parece ser que el
hombre
atropella el paisaje
y ya la carretera que
antes tenía cielo
ahora nos agobia
con su empecinamiento
comercial.
Así suele pasar con
la belleza
como si no
quisiéramos comprarla
y la empaquetan a su
gusto y modo.
Hay que dejar que
baile la belleza
con los galanes más
inaceptables,
entre el día y la
noche:
no la obliguemos a
tomar la píldora
de la verdad como una
medicina.
Y lo real? También,
sin duda alguna,
pero que nos aumente,
que nos alargue, que
nos haga fríos,
que nos redacte
tanto el orden del
pan como el del alma.
A susurrar! ordeno
al bosque puro,
a que diga en secreto
su secreto
y a la verdad: No te
detengas tanto
que te endurezcas
hasta la mentira.
No soy rector de
nada, no dirijo,
y por eso atesoro
las equivocaciones de
mi canto.
De: “Memorial de Isla
Negra” (1964)
Cavaleiro numa
encruzilhada
(Viktor Vasnetsov:
pintor russo)
A verdade
Amo-vos idealismo e
realismo,
como água e pedra
sois
partes do mundo,
luz e raiz da árvore
da vida.
Não fecheis meus
olhos
mesmo depois de morto:
continuarei a
precisar deles para aprender,
para assistir e
compreender a minha morte.
Preciso da minha boca
para cantar mais
tarde, quando eu não existir.
E de minha alma, de
minhas mãos e de meu corpo
para continuar te
amando, amada minha.
Sei que não pode ser,
mas era isso o que eu queria.
Amo o que não tem
nada além de sonhos.
Tenho um jardim de
flores que não existem.
Sou decididamente
triangular.
Ainda sinto falta das
minhas orelhas,
mas enrolei-as para
as deixar
no porto fluvial do
interior
da República de
Malagueta.
Não posso mais com a
razão ao ombro.
Quero inventar o mar
de cada dia.
Veio ver-me uma vez
um grande artista que
pintava soldados.
Eram todos heroicos e
o bom homem
pintava-os no campo
de batalha
morrendo de prazer.
Também pintava vacas
realistas
e eram tão
extremamente vacas
que nos tornávamos
melancólicos
e dispostos a ruminar
eternamente.
Execração e horror!
Li romances
infinitamente compassivos
e tantos versos sobre
o Primeiro de Maio
que agora escrevo apenas
sobre o dia 2 desse mês.
Parece que o homem
atropela a paisagem
e então a estrada que
antes tinha um céu
agora nos oprime
com a sua teimosia
comercial.
Assim é o que
acontece amiúde com a beleza,
como se não a
quiséssemos comprar
e eles a embalassem a
seu gosto e modo.
Há que deixar que a
beleza dance
com os galãs mais
inaceitáveis,
entre o dia e a
noite:
não a obriguemos a
tomar a pílula
da verdade como um
remédio.
E o real? Também, sem
dúvida alguma,
mas que nos aumente,
que nos alongue, que
nos torne frios,
que nos redija
tanto a ordem do pão
quanto a da alma.
A sussurrar! ordeno
ao bosque puro,
para que diga em
segredo o seu segredo
e à verdade: Não te
detenhas tanto
que te endureças até
a mentira.
Não sou reitor de
nada, não comando,
e é por isso que valorizo
os equívocos do meu
canto.
Em: “Memorial da Ilha
Negra” (1964)
Referência:
NERUDA, Pablo. La
verdad. In: JIMÉNEZ, José Olivio (Selección, prólogo y notas). Antología de
la poesía hispanoamericana contemporánea: 1914-1970. 7. ed. Madrid, ES:
Alianza Editorial, 1984. p. 323-325. (‘El Libro de Bolsillo’)
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