Kenyon aqui nos
descreve um quadro vívido do Natal passado em um lugar não habitual – no caso,
por provável tratamento da enfermidade de alguém da família –, longe das intimidades
reconfortantes do lar, num ambiente exposto ao bulício urbano e à decoração natalina
excessiva nas residências próximas, em contraposição às habituais paisagens naturais
frequentadas pela falante, com árvores, riachos, colinas e o canto dos pássaros.
Resta-lhe a
normalidade de passear com o seu cão pelas ruas de Connecticut, oportunidade em
que se detém a observar a vida dos vizinhos, as ornamentações do entorno e as
ações das pessoas, enquanto aguarda que os correios lhe tragam as correspondências
redirecionadas para o novo lugar de destino, para que possa atenuar essa sensação
de distanciamento e de descompasso emocional.
J.A.R. – H.C.
Jane Kenyon
(1947-1995)
Christmas Away from
Home
Her sickness brought
me to Connecticut.
Mornings I walk the
dog: that part of life
is intact. Who’s
painted, who’s insulated
or put siding on,
who’s burned the lawn
with lime – that’s
the news on Ardmore Street.
The leaves of the
neighbor’s respectable
rhododendrons curl
under in the cold.
He has backed the car
through the white
nimbus of its exhaust
and disappeared for
the day.
In the hiatus between
mayors
the city has left
leaves in the gutters,
and passing cars lift
them in maelstroms.
We pass the house two
doors down, the one
with the wildest
lights in the neighborhood,
an establishment
without irony.
All summer their putto
empties a water jar,
their St. Francis
feeds the birds.
Now it’s angels,
festoons, waist-high
candles, and swans
pulling sleighs.
Two hundred miles
north I’d let the dog
run among birches and
the black shade of pines.
I miss the hills, the
woods and stony
streams, where the
swish of jacket sleeves
against my sides
seems loud, and a crow
caws sleepily at
dawn.
By now the streams
must run under a skin
of ice, white
air-bubbles passing erratically,
like blood cells
through a vein. Soon the mail,
forwarded, will begin
to reach me here.
O Espírito do Natal
(Greg Olsen: pintor
norte-americano)
Natal Longe de Casa
A sua doença
trouxe-me a Connecticut.
Pelas manhãs, passeio
com o cão: essa parte da vida
está intacta. Quem é
que pintou, quem isolou
quem colocou o
tapume, quem queimou o gramado
com cal – essas são
as notícias na Ardmore Street.
As folhas dos
respeitáveis rododendros
do vizinho encurvam-se
sob o frio.
Ele deu ré com o
carro
através do nimbo
branco do seu escape
e desapareceu durante
o dia.
Na transição entre os
prefeitos
a cidade acumulou
folhas nas sarjetas,
e os carros que
passam levantam-nas em remoinhos.
Passamos pela casa
duas portas abaixo, a que tem
as luzes mais rebeldes
do bairro,
um estabelecimento
sem ironia.
Todo verão, o seu putto
esvazia um jarro d’água,
o seu São Francisco
alimenta os pássaros.
Agora há anjos,
festões, velas
até a cintura e
cisnes puxando trenós.
Duzentas milhas mais
ao norte eu deixaria o cão
correr entre bétulas
e a sombra negra dos pinheiros.
Sinto falta das
colinas, dos bosques e dos riachos
pedregosos, onde o farfalhar
das mangas da jaqueta
contra os meus
flancos mais parece um fragor
e um corvo grasna sonolento
ao amanhecer.
A esta altura, os
riachos devem correr sob uma camada
de gelo, bolhas de ar
branco passando erraticamente,
como células
sanguíneas numa veia. Em breve o correio,
reencaminhado,
começará a chegar-me aqui.
Referência:
KENYON, Jane. Christmas
away from home. In: __________. Collected poems of Jane Kenyon. Minneapolis,
MN: Graywolf Press, sept. 2005. p. 151.
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