Falar de amor é abismar-se
em voragens de metáforas – cores, sabores, estampas, climas, melodias,
sensações, fragrâncias e o que tudo mais pode conceber a mente humana, a do
poeta em especial –, vertidas em linguagem, em linhas livres ou ritmadas, com
métrica e rima, a exemplo deste belo soneto do autor baiano.
O amor é essa
combinação que não consiste em mera aproximação, senão efetiva união a integrar
elementos nem sempre convergentes – “coincidentia contrariorum” –, “tortura do
esplendor da vida”, também condescendência, contemporização, deferência: como
vocação primeira da pessoa humana, o amor é só o que remanesce quando finda a
sucessão dos dias!
J.A.R. – H.C.
Ruy Espinheira Filho
(n. 1942)
Soneto de um amor
Quando chegou, nem
parecia ser.
Agora é isto, este
pulsar violento
a rir à toa, a
crepitar no vento,
e este oceano, e este
amanhecer,
mais estas comoções
de anoitecer,
mais estes girassóis
no pensamento,
raio fendendo a alma
(lento, lento...),
e esta estranheza de
dizer e crer,
e este ácido pássaro
no peito,
e uma ternura ardendo
na ferida,
e um silêncio, e um
fragor, e o céu desfeito
por sobre tudo, e a
lua comovida
chorando um choro
cândido, perfeito
a esta tortura do
esplendor da vida!
Coração Enternecido
II
(Monika Dewangan: artista
indiana)
Referência:
ESPINHEIRA FILHO,
Ruy. Soneto de um amor. AYALA, Walmir (Seleção e Organização). Poemas de
amor: Shakespeare, Camões, Machado, Florbela, Lorca e outros 115 poetas de
ontem e de hoje. Edição revista e atualizada por André Seffrin. 4. ed. Rio de
Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2022. p. 120. (Coleção ‘Histórias de Amor’)
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