Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Nicolás Guillén - Balada dos dois avôs

A evocar temas como a ancestralidade, a escravidão nas terras do Caribe e a luta por liberdade, este poema de Guillén retrata as suas memórias em relação aos ascendentes, sombras duais que o acompanham, como reflexos de suas origens meio africanas, meio europeias: de um lado, o avô negro com a sensação de sempre estar morrendo; de outro, o avô branco, a expressar cansaço e desilusões no que diz respeito à marcha da colonização.

 

Diferenças à parte – e não são poucas! –, ao final do poema o falante reúne os avôs – nomeadamente Federico e Facundo –, pondo-os a sonhar e a vaguear juntos, tudo para legar uma mensagem de concórdia às gerações futuras: trata-se de um afã por igualdade, a despeito das diferenças raciais, pois que, sendo humanos, têm eles os seus propósitos de vida, compartilhados em sonhos, lamentos e cânticos.

 

Não se trata, nada obstante, de esquecer as injustiças e os desafios enfrentados pelos povos africanos e seus descendentes, erradicados à força de suas terras e levados a trabalhos forçados em paragens distantes, senão de conhecer o passado, mantendo-se o espírito aberto à conciliação, sem descuidar, evidentemente, do combate a todas as formas ainda remanescentes de preconceito racial – lá como aqui!

 

J.A.R. – H.C.

 

Nicolás Guillén

(1902-1989)

 

Balada de los dos abuelos

 

Sombras que solo yo veo,

me escoltan mis dos abuelos.

Lanza con punta de hueso,

tambor de cuero y madera:

mi abuelo negro.

Gorguera en el cuello ancho,

gris armadura guerrera:

mi abuelo blanco.

Pie desnudo, torso pétreo

los de mi negro;

pupilas de vidrio antártico

las de mi blanco.

 

Africa de selvas humedas

y de gordos gongos sordos...

– ¡Me muero!

(Dice mi abuelo negro).

Aguaprieta de caimanes,

verdes mañanas de cocos...

– ¡Me canso!

(Dice mi abuelo blanco).

Oh velas de amargo viento,

galeón ardiendo en oro...

– ¡Me muero!

(Dice mi abuelo negro).

¡Oh costas de cuello virgen

engañadas de abalorios...!

– ¡Me canso!

(Dice mi abuelo blanco).

¡Oh puro sol repujado,

preso en el aro del trópico;

oh luna redonda y limpia

sobre el sueño de los monos!

 

¡Qué de barcos, qué de barcos!

¡Qué de negros, qué de negros!

¡Qué largo fulgor de cañas!

¡Qué látigo el del negrero!

Piedra de llanto y de sangre,

venas y ojos entreabiertos,

y madrugadas vacías,

y atardeceres de ingenio,

y una gran voz, fuerte voz,

despedazando el silencio.

¡Qué de barcos, qué de barcos,

qué de negros!

 

Sombras que sólo yo veo,

me escoltan mis dos abuelos.

 

Don Federico me grita

y Taita Facundo calla;

los dos en la noche sueñan

y andan, andan.

Yo los junto.

– ¡Federico!

¡Facundo! Los dos se abrazan.

Los dos suspiran. Los dos

las fuertes cabezas alzan;

los dos del mismo tamaño,

bajo las estrellas altas;

los dos del mismo tamaño,

ansia negra y ansia blanca,

los dos del mismo tamaño,

gritan, sueñan, lloran, cantan.

Sueñan, lloran, cantan.

Lloran, cantan.

¡Cantan!

 

Recital do Avô

(William Hemsley: artista inglês)

 

Balada dos dois avôs

 

Sombras que só eu vejo,

me escoltam meus dois avôs.

Lança com ponta de osso,

tambor de couro e madeira:

meu avô negro.

Gorjeira no largo pescoço,

gris armadura guerreira:

meu avô branco.

Pé desnudo, torso pétreo,

os de meu negro;

pupilas de vidro antártico,

as de meu branco.

 

África de selvas úmidas

e de gordos e surdos gongos...

– Estou morrendo!

(Diz meu avô negro).

Charco de caimões,

verdes manhãs de cocos...

– Estou cansado!

(Diz meu avô branco).

Ó velas de amargo vento,

galeão ardendo em ouro...

– Estou morrendo!

(Diz meu avô negro).

Ó costas de colo virgem

iludidas com vidrilhos...!

– Estou cansado!

(Diz meu avô branco).

Ó puro sol cinzelado,

preso ao anel dos trópicos;

ó lua redonda e limpa

sobre o sonho dos monos!

 

Quantos barcos, quantos barcos!

Quantos negros, quantos negros!

Que longo fulgor de canas!

Que látego o do escravagista!

Pedra de pranto e de sangue,

veias e olhos entreabertos,

e madrugadas vazias,

e entardeceres de engenho,

e uma grande voz, forte voz,

despedaçando o silêncio.

Quantos barcos, quantos barcos,

quantos negros!

 

Sombras que só eu vejo,

me escoltam meus dois avôs.

 

Dom Federico grita comigo

e Taita Facundo se cala;

os dois sonham noite adentro

e vagueiam, vagueiam.

Eu os reúno,

  – Federico!

Facundo! Os dois se abraçam.

Os dois suspiram. Os dois

erguem seus crânios robustos;

os dois do mesmo tamanho,

sob as altas estrelas;

os dois do mesmo tamanho,

ânsia negra e ânsia branca;

os dois do mesmo tamanho,

gritam, sonham, choram, cantam.

Sonham, choram, cantam.

Choram, cantam.

Cantam!

 

Referência:

 

GUILLÉN, Nicolás. Balada de los dos abuelos. In: __________. Man-making words. Selected poems of Nicolás Guillén translated, annotated, with an introduction by Robert Márquez and David Arthur McMurray. A bilingual edition: Spanish x English. La Habana, CU: Editorial de Arte y Literatura, 1973. p. 66, 68 y 70.

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