Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 11 de junho de 2024

Aaron Leyeles - Junto aos rios de Nova York

Aaron Leyeles, pseudônimo de Aaron Glanz, poeta iídiche, destila o seu mais introspectivo humor nestes versos, parodiando certa passagem do Livro de Neemias, na qual, às margens de algum rio mesopotâmico, teria ele se sentado e chorado depois de se tornar ciente, a certa altura, de graves más notícias para o povo de Israel. A propósito, a imagem de um salgueiro, a que recorre o poeta, remete bem à ideia de um chorão, como que a verter um pranto contínuo.

 

Contudo, o falante afirma não ter derramado lágrimas, decerto ao tomar conhecimento das infames ocorrências que sobrevieram aos seus pares de origem judaica, sobretudo durante os embates da 2GM: em meio à dor, o discernimento de que, de um lado, se deve lembrar o que se passou para que os infortúnios não caiam no esquecimento, para que não voltem a suceder; de outro, se deve esquecer o sofrimento pelos quais se passou, para não evocar no quotidiano imagens que paralisem a vontade de viver e a abertura a novas experiências que se pretendem significativas, mesmo gratificantes.

 

J.A.R. – H.C.

 

Aaron Leyeles

(1889-1966)

 

Junto aos rios de Nova York

 

Junto aos rios de Nova York sentei-me,

nada esqueci e nada lembrei,

e não chorei.

Um salgueiro como se em pedra convertido erguia-se ao lado,

estendi a mão em busca da harpa que lá não estava,

e fiquei envergonhado.

Então veio uma voz do salgueiro,

e eu ouvi:

Penduraste suficientes canções em todas as torres e moradas,

pavimentaste-as nas estradas.

Agora veja.

Os ramos tornavam-se faces agora,

silentes cada um em seu lugar,

e em cada uma havia um ano escrito, com um selo,

sonho, real – sonho, real.

E as faces fitavam com olhos esbugalhados,

mediam-me, pesavam-me compadecidas.

Nenhuma lamentação – voltei a mim,

na verdade, disse eu, quão plena está minh’alma de inquietude,

tão pleno foi meu desejo e tão vivo,

e se houver contagem, a contagem para o festival

da bandeira radiante,

haverá também lembranças para mim.

As faces desvaneceram-se, os olhos fecharam-se,

como um pilar da noite – o salgueiro ficou adormecido.

Eu não chorei.

 

Da série: ‘Vagando’ 

(Clara Lieu: artista norte-americana)

 

Referência:

 

LEYELES, Aaron. Junto aos rios de Nova York. Tradução de Jacó Guinsburg. In: GUINSBURG, Jacó; TAVARES, Zulmira Ribeiro (Orgs.). Quatro mil anos de poesia. Desenhos de Paulina Rabinovich. São Paulo, SP: Perspectiva, 1969. p. 208. (Coleção “Judaica”; v. 12)

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