Aaron Leyeles,
pseudônimo de Aaron Glanz, poeta iídiche, destila o seu mais introspectivo
humor nestes versos, parodiando certa passagem do Livro de Neemias, na qual, às
margens de algum rio mesopotâmico, teria ele se sentado e chorado depois de se
tornar ciente, a certa altura, de graves más notícias para o povo de Israel. A
propósito, a imagem de um salgueiro, a que recorre o poeta, remete bem à ideia
de um chorão, como que a verter um pranto contínuo.
Contudo, o falante afirma
não ter derramado lágrimas, decerto ao tomar conhecimento das infames
ocorrências que sobrevieram aos seus pares de origem judaica, sobretudo durante
os embates da 2GM: em meio à dor, o discernimento de que, de um lado, se deve lembrar
o que se passou para que os infortúnios não caiam no esquecimento, para que não
voltem a suceder; de outro, se deve esquecer o sofrimento pelos quais se
passou, para não evocar no quotidiano imagens que paralisem a vontade de viver
e a abertura a novas experiências que se pretendem significativas, mesmo
gratificantes.
J.A.R. – H.C.
Aaron Leyeles
(1889-1966)
Junto aos rios de
Nova York
Junto aos rios de Nova
York sentei-me,
nada esqueci e nada
lembrei,
e não chorei.
Um salgueiro como se
em pedra convertido erguia-se ao lado,
estendi a mão em
busca da harpa que lá não estava,
e fiquei
envergonhado.
Então veio uma voz do
salgueiro,
e eu ouvi:
Penduraste
suficientes canções em todas as torres e moradas,
pavimentaste-as nas
estradas.
Agora veja.
Os ramos tornavam-se
faces agora,
silentes cada um em
seu lugar,
e em cada uma havia
um ano escrito, com um selo,
sonho, real – sonho,
real.
E as faces fitavam
com olhos esbugalhados,
mediam-me, pesavam-me
compadecidas.
Nenhuma lamentação –
voltei a mim,
na verdade, disse eu,
quão plena está minh’alma de inquietude,
tão pleno foi meu
desejo e tão vivo,
e se houver contagem,
a contagem para o festival
da bandeira radiante,
haverá também
lembranças para mim.
As faces
desvaneceram-se, os olhos fecharam-se,
como um pilar da
noite – o salgueiro ficou adormecido.
Eu não chorei.
Da série: ‘Vagando’
(Clara Lieu: artista norte-americana)
Referência:
LEYELES, Aaron. Junto
aos rios de Nova York. Tradução de Jacó Guinsburg. In: GUINSBURG, Jacó;
TAVARES, Zulmira Ribeiro (Orgs.). Quatro mil anos de poesia. Desenhos de
Paulina Rabinovich. São Paulo, SP: Perspectiva, 1969. p. 208. (Coleção
“Judaica”; v. 12)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário