Desilusão,
melancolia, amargura, frustação, desesperança, estagnação: são esses os
sentimentos que permeiam a atmosfera destes versos de Púchkin, todos a sugerir
certa decepção com os resultados alcançados pela materialização de seus
desejos, aos quais o ente lírico “sobreviveu”, embora, doravante, sem o
suficiente vigor para encontrar motivos palpáveis de renovo.
É um mundo em
desencanto, carente de novas aspirações, “coroa em flor” estiolada de diferido
deperecimento, presumivelmente opressivo ante a perda da juventude e o
paulatino definhamento do falante. Mas como afirma o provérbio chinês, um homem
só envelhece quando os lamentos passam a substituir os seus sonhos!
J.A.R. – H.C.
Aleksandr Púchkin
Retrato de O. A.
Kiprensky
(1799-1837)
Я пережил свои желанья
Я пережил свои желанья,
Я разлюбил свои мечты;
Остались мне одни страданья,
Плоды сердечной пустоты.
Под бурями судьбы жестокой
Увял цветущий мой венец;
Живу печальный, одинокий,
И жду: придет ли мой конец?
Так, поздним хладом пораженный,
Как бури слышен зимний свист,
Один на ветке обнаженной
Трепещет запоздалый лист.
(1821)
Os desejos
insatisfeitos
(Salvador Dalí:
pintor espanhol)
Sobrevivi a meus
desejos
Sobrevivi a meus
desejos,
Desgostei de cada
ilusão;
Restam-me apenas ais
e arquejos,
Frutos do fútil
coração.
Com temporais, fado
medonho
Minha coroa em flor
murchou;
Estou sozinho, estou
tristonho:
Por que meu fim já
não chegou?
Do frio extremo
impressionada,
(É inverno, e há ruir
de temporal),
Treme, na planta
desnudada,
Folha que tarda a se
ir, tal qual.
(1821)
Referência:
PÚCHKIN, Aleksandr. Я пережил свои желанья / Sobrevivi a meus desejos. In: __________. Poesias escolhidas. Seleção,
tradução do russo, prefácio, breve notícia sobre Aleksandr Púchkin, notas e
apêndice por José Casado. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira,
1992. Em russo: p. 192; em português: p. 193. (‘Poesia de Todos os Tempos’)
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