De um poeta a outro,
versos que se dedicam a falar do seu próprio ofício, ou melhor, das “substâncias”
que tomam parte no rol de palavras a compor um poema – palavras sobre outras
palavras, inclusive, trocadas em conversas familiares prévias, ainda com
suficiente poder para ensejar efeitos sobre os que as evocam nos dias presentes.
O falante discorre sobre
a vida, o tempo, a importância das coisas simples e das relações interpessoais,
ou ainda, sobre o desejo maior de se conectar com o mundo, ânsia por vínculos e
intimidades – ainda que a realidade possa apresentar desenlaces desafiadores –,
passando de momentos usufruídos reservadamente a outros que comportem proximidade
com entes queridos e distantes.
De esperanças e de expectativas
que muitas vezes não se concretizam estão pejados os nossos dias, também de
nostalgias e de imagens vívidas: todos esses ingredientes bem podem compor um
férvido cadinho de onde a poesia se evola à atmosfera ao nosso redor, renovando-nos
o ânimo para outras tantas conjunturas significativas – experiências, tentativas,
aprendizagens.
J.A.R. – H.C.
Jaime Gil de Biedma
(1929-1990)
Arte Poética
A Vicente Aleixandre
La nostalgia del sol
en los terrados,
en el muro color
paloma de cemento
– sin embargo tan vívido
– y el frío
repentino que casi sobrecoge.
La dulzura, el calor
de los labios a solas
en medio de la calle
familiar
igual que un gran
salón, donde acudieran
multitudes lejanas
como seres queridos.
Y sobre todo el
vértigo del tiempo,
el gran boquete
abriéndose hacia dentro del alma
mientras arriba
sobrenadan promesas
que desmayan, lo
mismo que si espumas.
Es sin duda el
momento de pensar
que el hecho de estar
vivo exige algo,
acaso heroicidades – o
basta, simplemente,
alguna humilde cosa
común
cuya corteza de
materia terrestre
tratar entre los
dedos, con un poco de fe?
Palabras, por
ejemplo.
Palabras de familia
gastadas tibiamente.
En: “Compañeros de viaje”
(1959)
Sob o sol da
primavera
em frente à casa da
família
(Jens Birkholm: pintor
dinamarquês)
Arte Poética
A Vicente Aleixandre
A nostalgia do sol
nos terraços,
na parede cor de
pomba de cimento
– no entanto, tão
vívida – e o frio
repentino que quase surpreende.
A doçura, o calor dos
lábios a sós
no meio da rua
familiar,
feito um grande salão,
para onde acorreram
multidões distantes como
entes queridos.
E, acima de tudo, a voragem
do tempo,
a grande fenda que se
abre até dentro da alma,
enquanto no alto
sobrenadam promessas
que se desvanecem,
como se espumas fossem.
É, sem dúvida, o
momento de pensar
que o fato de estar
vivo exige algo,
talvez atos heroicos
– ou bastaria, simplesmente,
alguma coisa humilde
e comum,
cuja crosta de
matéria terrestre se possa tratar
entre os dedos, com
um pouco de fé?
Palavras, por
exemplo.
Palavras de família tenuemente
desgastadas.
Em: “Companheiros de
viagem” (1959)
Referência:
BIEDMA, Jaime Gil.
Arte poética. In: __________. Jaime Gil de Biedma. Selección y nota de Eduardo
Vázquez. México, D.F.: Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), 2012. p.
9. Disponível neste endereço. Acesso em: 18 jun.
2024.
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