Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 23 de junho de 2024

Jaime Gil de Biedma - Arte Poética

De um poeta a outro, versos que se dedicam a falar do seu próprio ofício, ou melhor, das “substâncias” que tomam parte no rol de palavras a compor um poema – palavras sobre outras palavras, inclusive, trocadas em conversas familiares prévias, ainda com suficiente poder para ensejar efeitos sobre os que as evocam nos dias presentes.

 

O falante discorre sobre a vida, o tempo, a importância das coisas simples e das relações interpessoais, ou ainda, sobre o desejo maior de se conectar com o mundo, ânsia por vínculos e intimidades – ainda que a realidade possa apresentar desenlaces desafiadores –, passando de momentos usufruídos reservadamente a outros que comportem proximidade com entes queridos e distantes.

 

De esperanças e de expectativas que muitas vezes não se concretizam estão pejados os nossos dias, também de nostalgias e de imagens vívidas: todos esses ingredientes bem podem compor um férvido cadinho de onde a poesia se evola à atmosfera ao nosso redor, renovando-nos o ânimo para outras tantas conjunturas significativas – experiências, tentativas, aprendizagens.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jaime Gil de Biedma

(1929-1990)

 

Arte Poética

 

A Vicente Aleixandre

 

La nostalgia del sol en los terrados,

en el muro color paloma de cemento

– sin embargo tan vívido – y el frío

repentino que casi sobrecoge.

 

La dulzura, el calor de los labios a solas

en medio de la calle familiar

igual que un gran salón, donde acudieran

multitudes lejanas como seres queridos.

 

Y sobre todo el vértigo del tiempo,

el gran boquete abriéndose hacia dentro del alma

mientras arriba sobrenadan promesas

que desmayan, lo mismo que si espumas.

 

Es sin duda el momento de pensar

que el hecho de estar vivo exige algo,

acaso heroicidades – o basta, simplemente,

alguna humilde cosa común

 

cuya corteza de materia terrestre

tratar entre los dedos, con un poco de fe?

Palabras, por ejemplo.

Palabras de familia gastadas tibiamente.

 

En: “Compañeros de viaje” (1959)

 

Sob o sol da primavera

em frente à casa da família

(Jens Birkholm: pintor dinamarquês)

 

Arte Poética

 

A Vicente Aleixandre

 

A nostalgia do sol nos terraços,

na parede cor de pomba de cimento

– no entanto, tão vívida – e o frio

repentino que quase surpreende.

 

A doçura, o calor dos lábios a sós

no meio da rua familiar,

feito um grande salão, para onde acorreram

multidões distantes como entes queridos.

 

E, acima de tudo, a voragem do tempo,

a grande fenda que se abre até dentro da alma,

enquanto no alto sobrenadam promessas

que se desvanecem, como se espumas fossem.

 

É, sem dúvida, o momento de pensar

que o fato de estar vivo exige algo,

talvez atos heroicos – ou bastaria, simplesmente,

alguma coisa humilde e comum,

 

cuja crosta de matéria terrestre se possa tratar

entre os dedos, com um pouco de fé?

Palavras, por exemplo.

Palavras de família tenuemente desgastadas.

 

Em: “Companheiros de viagem” (1959)

 

Referência:

 

BIEDMA, Jaime Gil. Arte poética. In: __________. Jaime Gil de Biedma. Selección y nota de Eduardo Vázquez. México, D.F.: Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), 2012. p. 9. Disponível neste endereço. Acesso em: 18 jun. 2024.

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