Eis aqui uma reflexão
profunda sobre a natureza humana, contrastando-a com a noção de ser um maquinal
robô: o ente lírico rejeita a ideia de ser apenas um ser mecânico, destacando a
sua complexidade como um aglomerado de moléculas, nervos e sensações.
Ao mencionar a cauda
do primata e seus vícios tribais, o poema alude à ancestralidade humana e às
tendências comportamentais que podemos compartilhar com as outras espécies. No
entanto, o falante reivindica sua individualidade e valoriza a diversidade,
considerando-se uma unidade na multiplicidade.
A referência à taça
de areia do tempo sugere uma consciência da transitoriedade da vida: o orador
sente que está esvaziando essa taça a cada minuto, refém insofismável da
inevitabilidade do envelhecimento e da morte. Tal percepção acrescenta uma
dimensão existencial ao poema, convidando o leitor a contemplar a efemeridade
de sua própria presença por estas terrenas paragens.
Ademais, as imagens
empregadas pelo poeta criam a sensação de sua insignificância diante da
vastidão do mundo natural, por representar apenas uma pequena parte do que se
manifesta como água, fogo, pedra e mineral, elementos que, seja como for,
acabam por se incorporar à variedade de características e estados emocionais
que compõem a sua identidade, num particular contexto ante as
influências de ordem biológica e cultural.
J.A.R. – H.C.
Francisco Carvalho
(1927-2013)
Não sou um robô
Não sou um robô
sou um aglomerado de
moléculas
e nervos e sensações.
Mas isso não me
confere o direito
de zombar da cauda do
primata
e de seus vícios
tribais.
Sou unidade na
diversidade
santuário de desejos
antagônicos.
A cada minuto sinto
que estou esvaziando
a taça de areia do
tempo. Logo
serei um fragmento de
escória expulso
das entranhas do mar.
Não sou um robô
sou uma constelação
de átomos e células
em permanente atrito
sou água e fogo,
pedra e mineral
dinâmica,
imobilidade, evasão, recusa
do tempo,
contemporâneo da morte.
Robot
(Gustavo Alamón:
artista uruguaio)
Referência:
CARVALHO, Francisco.
Não sou um robô. In: __________. O silêncio é uma figura geométrica. Fortaleza,
CE: UFC & Casa de José de Alencar, 2002. p. 29. (Coleção ‘Alagadiço Novo’)
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