Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Francisco Carvalho - Não sou um robô

Eis aqui uma reflexão profunda sobre a natureza humana, contrastando-a com a noção de ser um maquinal robô: o ente lírico rejeita a ideia de ser apenas um ser mecânico, destacando a sua complexidade como um aglomerado de moléculas, nervos e sensações.

 

Ao mencionar a cauda do primata e seus vícios tribais, o poema alude à ancestralidade humana e às tendências comportamentais que podemos compartilhar com as outras espécies. No entanto, o falante reivindica sua individualidade e valoriza a diversidade, considerando-se uma unidade na multiplicidade.

 

A referência à taça de areia do tempo sugere uma consciência da transitoriedade da vida: o orador sente que está esvaziando essa taça a cada minuto, refém insofismável da inevitabilidade do envelhecimento e da morte. Tal percepção acrescenta uma dimensão existencial ao poema, convidando o leitor a contemplar a efemeridade de sua própria presença por estas terrenas paragens.

 

Ademais, as imagens empregadas pelo poeta criam a sensação de sua insignificância diante da vastidão do mundo natural, por representar apenas uma pequena parte do que se manifesta como água, fogo, pedra e mineral, elementos que, seja como for, acabam por se incorporar à variedade de características e estados emocionais que compõem a sua identidade, num particular contexto ante as influências de ordem biológica e cultural.

 

J.A.R. – H.C.

 

Francisco Carvalho

(1927-2013)

 

Não sou um robô

 

Não sou um robô

sou um aglomerado de moléculas

e nervos e sensações.

Mas isso não me confere o direito

de zombar da cauda do primata

e de seus vícios tribais.

Sou unidade na diversidade

santuário de desejos antagônicos.

A cada minuto sinto que estou esvaziando

a taça de areia do tempo. Logo

serei um fragmento de escória expulso

das entranhas do mar.

Não sou um robô

sou uma constelação de átomos e células

em permanente atrito

sou água e fogo, pedra e mineral

dinâmica, imobilidade, evasão, recusa

do tempo, contemporâneo da morte.

 

Robot

(Gustavo Alamón: artista uruguaio)

 

Referência:

 

CARVALHO, Francisco. Não sou um robô. In: __________. O silêncio é uma figura geométrica. Fortaleza, CE: UFC & Casa de José de Alencar, 2002. p. 29. (Coleção ‘Alagadiço Novo’)

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