A poesia, como uma “canção plangente”, pode ser um engenho de prata capaz de atenuar – ou mesmo de contornar – os estados tormentosos que costumam se formar ao redor de nossos miúdos, pondo-os ao alcance do perigo: se a chuva “tomba violenta”, por que não se recorrer ao apelo mágico do poema, transformando-lhes a vida num maná palatável?!
Bem ao contexto, Depestre
– poeta, romancista e ensaísta haitiano – dedica o poema ao escritor brasileiro
Jorge Amado (1912-2001), em cujas obras muito se estampa o desamparo a que expostos
adolescentes e crianças na “Cidade da Bahia”, muito particularmente em “Capitães
de Areia” (1937) – uma denúncia social contra o abandono da infância e da juventude em
Salvador.
J.A.R. – H.C.
René Depestre
(n. 1926)
Une définition de la
poésie
A Jorge Amado
La poésie, c’est
notre père qui arrive un soir
Sous une pluie
torrentielle, et qui nous chante
Une complainte qu’il
a composée pour une petite
Cuillère en argent.
Notre père voulait
arrêter la pluie de septembre avec une
petite cuillère, et
la pluie a retourné son esprit comme um
vieux pantalon.
La poésie, c’est:
Un père haïtien qui
perd la raisons
Pour une petite
cuillère mise en chanson
Sous une pluie qui
pousse avec rage
Tout près de notre
enfance!
Dans: “Poète a Cuba”
(1976)
Primeiros passos, à
maneira de Millet
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
Uma definição de
poesia
A Jorge Amado
A poesia é nosso pai
que chega ao anoitecer
Sob chuva torrencial
e nos murmura
Uma canção plangente
que compôs para uma pequenina
Colher de prata.
Nosso pai queria
sustar a chuva de setembro com uma
colherinha e a
tempestade transformou o seu espírito
no de um bobo velho.
A poesia é:
Um pai haitiano que
perde o juízo
Por uma colherinha
que se fez canção
Sob chuva que tomba
violenta
Vizinha a nossa
infância!
Em: “O poeta em Cuba”
(1976)
Referência:
DEPESTRE, René. Une
définition de la poésie / Uma definição de poesia. Tradução de Idelma Ribeiro
de Faria. In: FARIA, Idelma Ribeiro de (Tradução e ensaios). T. S. Eliot,
Emily Dickinson e René Depestre: seleção. São Paulo, SP: Hucitec, 1992. Em
francês: p. 168; em português: p. 169. (Coleção ‘Literatura Estrangeira’; v. 1)
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