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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

René Depestre - Uma definição de poesia

A poesia, como uma “canção plangente”, pode ser um engenho de prata capaz de atenuar – ou mesmo de contornar – os estados tormentosos que costumam se formar ao redor de nossos miúdos, pondo-os ao alcance do perigo: se a chuva “tomba violenta”, por que não se recorrer ao apelo mágico do poema, transformando-lhes a vida num maná palatável?!

 

Bem ao contexto, Depestre – poeta, romancista e ensaísta haitiano – dedica o poema ao escritor brasileiro Jorge Amado (1912-2001), em cujas obras muito se estampa o desamparo a que expostos adolescentes e crianças na “Cidade da Bahia”, muito particularmente em “Capitães de Areia” (1937) – uma denúncia social contra o abandono da infância e da juventude em Salvador.

 

J.A.R. – H.C.

 

René Depestre

(n. 1926)

 

Une définition de la poésie

 

A Jorge Amado

 

La poésie, c’est notre père qui arrive un soir

Sous une pluie torrentielle, et qui nous chante

Une complainte qu’il a composée pour une petite

Cuillère en argent.

Notre père voulait arrêter la pluie de septembre avec une

petite cuillère, et la pluie a retourné son esprit comme um

vieux pantalon.

La poésie, c’est:

Un père haïtien qui perd la raisons

Pour une petite cuillère mise en chanson

Sous une pluie qui pousse avec rage

Tout près de notre enfance!

 

Dans: “Poète a Cuba” (1976)

 

Primeiros passos, à maneira de Millet

(Vincent van Gogh: pintor holandês)

 

Uma definição de poesia

 

A Jorge Amado

 

A poesia é nosso pai que chega ao anoitecer

Sob chuva torrencial e nos murmura

Uma canção plangente que compôs para uma pequenina

Colher de prata.

Nosso pai queria sustar a chuva de setembro com uma

colherinha e a tempestade transformou o seu espírito

no de um bobo velho.

A poesia é:

Um pai haitiano que perde o juízo

Por uma colherinha que se fez canção

Sob chuva que tomba violenta

Vizinha a nossa infância!

 

Em: “O poeta em Cuba” (1976)

 

Referência:

 

DEPESTRE, René. Une définition de la poésie / Uma definição de poesia. Tradução de Idelma Ribeiro de Faria. In: FARIA, Idelma Ribeiro de (Tradução e ensaios). T. S. Eliot, Emily Dickinson e René Depestre: seleção. São Paulo, SP: Hucitec, 1992. Em francês: p. 168; em português: p. 169. (Coleção ‘Literatura Estrangeira’; v. 1)

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