Como um homem que se
aproxima da derradeira curva da vida, o falante – recordando as imagens que lhe
ficaram na mente por conta das vicissitudes pelas quais passou, seus amores, momentos
felizes e ilusões –, vê nesse átimo fugaz o sopro de eternidade a perpassar o
sonho em que envolta toda a precária existência humana.
As imagens evocadas
pelo poeta configuram metáforas inequívocas para uma síntese pictórica epilogal:
sons, cores, odores e miradas panorâmicas, sinais de um tempo mortiço a prenunciar
metamorfoses nos contentores de uma ampulheta a converter os tardios anelos de
um corpo – ainda sedento por mais luzes nesse pomar outonal – a um outro sentido
de presença, no qual o tempo não se estima por meros dias, meses ou anos.
J.A.R. – H.C.
Francisco Brines
(1932-2021)
La fabulosa eternidad
Es rosa el monte tras
el mudo huerto
del otoño. Los
pájaros confunden
ramas, vuelos y
trinos; y en el mar
se adormecen las
velas solitarias.
Cuelgan de las
palmeras los dorados
racimos, y los aires
vienen breves
a golpear las ramas
del naranjo.
Un aroma de tardíos
jazmines
da a mi carne vigor,
y juventud.
Los rosales son
zarzas y son fuego:
se desnudan de olor.
Y son sus flores
sangrientas, blancas,
rosas, amarillas.
La casa esplende bajo
el sol tardío;
el tiempo es una luz
ya muy cansada.
Puntean las
estrellas, y algún frío
baja el azul; es
hosca la llegada
de los cuervos que
baten el pinar.
Aquí, en este lugar,
supo mi infancia
que era eterna la
vida, y el engaño
da a mis ojos amor.
Hoy miro el mundo
como el amante sabe,
abandonado,
que quien le desdeñó
le merecía.
Y todo pudo ser, pues
fue vivido,
y este rumor de
tiempo que yo soy
recuerda, como un
sueño, que fue eterno.
En: “El otoño de las
rosas” (1986)
Eternidade
(Teresa Gimenez:
pintora espanhola)
A fabulosa eternidade
É róseo o monte por
trás do mudo pomar
do outono. Os
pássaros confundem
ramos, voos e trinados;
e no mar
adormecem as velas
solitárias.
Pendem das palmeiras
os dourados
racemos, e as aragens
vêm breves
para fustigar os
ramos da laranjeira.
Um aroma de tardios
jasmins
dá à minha carne vigor,
e juventude.
Os roseirais são sarças
e são fogo:
despojam-se de fragrância.
E suas flores são
sangrentas, brancas,
róseas, amarelas.
A casa esplende sob o
sol tardio;
o tempo é uma luz já
muito cansada.
Pontilham as
estrelas, e algum frio
o azul faz descer; é
soturna a chegada
dos corvos que batem
no pinhal.
Aqui, neste lugar, soube
minha infância
que era eterna a
vida, e o ilusório revela
o amor aos meus
olhos. Hoje vejo o mundo
como o amante sabe,
abandonado,
tal como quem o desdenhou
o merecia.
E tudo pôde ser, pois
foi vivido,
e este rumor de tempo
que eu sou
recorda, como um sonho,
que foi eterno.
Em: “O outono das
rosas” (1986)
Referência:
BRINES, Francisco. La
fabulosa eternidad. In: ORTEGA, Julio (Ed.). Los 100 grandes poemas de
España y América. 1. ed. México, D.F.: Siglo XXI Editores, 2000. p. 334.
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