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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

José Carlos Capinan - Poema Intencional

Leio o poema de Capinan e logo me vem à mente a máxima de Ortega y Gasset (1883-1955), inserta na “Meditação Preliminar”, em “Meditações do Quixote”: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo tampouco me salvo.” (1914, p. 43-44). E mais à frente: “O homem tem uma missão de clareza sobre a terra.” (1914, p. 123).

 

Há na realidade à volta do ser humano a potencialidade de mudança, de melhoria de sua condição de vida mediante um impulso direcionado à ação sobre as circunstâncias que o delimitam: a inação e a omissão não são opções capazes de o levar a uma melhor compreensão de si mesmo!

 

Daí a inflexão a um “tenho que” nos versos finais do poema, caracterizando essa relação obrigacional de atuar, de arquitetar propósitos, de projetar “aríetes” capazes de romper as barreiras que nos causam asfixia: somente assim materializamos nossas intenções, reabsorvendo nossas circunstâncias.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Carlos Capinan

(n. 1941)

 

Poema Intencional

 

Há em cada substância a sua negativa

e a possibilidade de processo

 

processo inexorável a ir ao fim

meta a ser de pão e flores

 

e a rosa será uma outra rosa

e nós já não seremos

 

vejo nos olhos tristes de maria

um filho possível

 

vejo na árvore antiga do parque

uma cadeira, uma muleta, mas sobretudo um aríete

 

descubro na boca angustiada

o hino pronto e pesado

 

é inevitável o acontecimento

mas procuro ser um elemento

 

carrego em mim a utilidade

sei que posso dar existência

 

e na minha total renúncia

utilizo-me para um bem maior

 

tenho que colher a rosa

e transformá-la

 

tenho que possuir maria

e dar-lhe um filho

 

tenho que transformar a árvore do parque

em cadeira, em muleta, mas sobretudo em aríete.

 

Trabalhadores

(Di Cavalcanti: pintor carioca)

 

Referência:

 

CAPINAN, José Carlos. Poema intencional. Em: FELIX, Moacyr (Org.). Violão de rua: poemas para a liberdade. Vol. II. Rio de Janeiro, GB: Civilização Brasileira, nov. 1962. p. 84-85. (‘Cadernos do Povo Brasileiro’; Volume Extra)

 

ORTEGA Y GASSET, José. Meditaciones del Quijote: meditación preliminar & meditación primera. Madrid, ES: Publicaciones de la Residencia de Estudiantes, 1914. (Serie II; Vol. I)

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