Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 24 de fevereiro de 2024

José Paulo Moreira da Fonseca - Estar e Ser

Se o “ser” pressupõe um estado de relativa permanência das características de algo ou de alguém, o “estar” revela-se muito mais “instável”, ocasional. O poeta, levando em consideração tais premissas de ordem semântica, joga com os verbos para contrapô-los entre si, como o duo de “terra” e “ar”, este último muito mais preso à volatilidade do “estar” – nuvens e intempéries –, aquela, homônima ao barro, assaz concorde à máxima do Gênesis (3, 19): “Lembra-te que és pó e ao pó voltarás”.

 

Um mar de dificuldades e de contratempos encerra-se no domínio do “estar”, mas tudo como meio para se atingir a escala de um “ser” mais elevado. E ainda, na elocução da voz lírica, ou se “está” no meio do sono – e então não na plenitude do “ser”, mas nas veredas dos sonhos suscitados pelo inconsciente –, ou “quase em sono”, algo equivalente a “quase não ser”, como se nas regiões limítrofes do consciente.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Paulo M. da Fonseca

(1922-2004)

 

Estar e Ser

 

Estar

é sempre em dificuldades

a não ser se em sono

ou quase em sono

quase não ser.

 

Estar

instável

como as nuvens

ou os fios de chuva cravados no ar.

 

No ar

estar no ar

sofregamente.

 

E ser por migalhas

como o barro em pó

ao sol.

 

Ser, estar e existir

(Carlos César A. Santos: artista brasileiro)

 

Referência:

 

FONSECA, José Paulo Moreira. Estar e ser. In: __________. O tempo e a sorte. Rio de Janeiro, GB: Tempo Brasileiro, 1968. p. 20. (Coleção ‘Tempoesia’; v. 8)

Nenhum comentário:

Postar um comentário