Se o “ser” pressupõe
um estado de relativa permanência das características de algo ou de alguém, o “estar”
revela-se muito mais “instável”, ocasional. O poeta, levando em consideração
tais premissas de ordem semântica, joga com os verbos para contrapô-los entre
si, como o duo de “terra” e “ar”, este último muito mais preso à volatilidade
do “estar” – nuvens e intempéries –, aquela, homônima ao barro, assaz concorde
à máxima do Gênesis (3, 19): “Lembra-te que és pó e ao pó voltarás”.
Um mar de
dificuldades e de contratempos encerra-se no domínio do “estar”, mas tudo como
meio para se atingir a escala de um “ser” mais elevado. E ainda, na elocução da
voz lírica, ou se “está” no meio do sono – e então não na plenitude do “ser”, mas
nas veredas dos sonhos suscitados pelo inconsciente –, ou “quase em sono”, algo
equivalente a “quase não ser”, como se nas regiões limítrofes do consciente.
J.A.R. – H.C.
José Paulo M. da
Fonseca
(1922-2004)
Estar e Ser
Estar
é sempre em
dificuldades
a não ser se em sono
ou quase em sono
quase não ser.
Estar
instável
como as nuvens
ou os fios de chuva
cravados no ar.
No ar
estar no ar
sofregamente.
E ser por migalhas
como o barro em pó
ao sol.
Ser, estar e existir
(Carlos César A.
Santos: artista brasileiro)
Referência:
FONSECA, José Paulo
Moreira. Estar e ser. In: __________. O tempo e a sorte. Rio de Janeiro,
GB: Tempo Brasileiro, 1968. p. 20. (Coleção ‘Tempoesia’; v. 8)
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