O involuntário, o não
deliberado no ato criador do poema, ou por outra, a poesia a conduzir a pena do
poeta é o tema destes versos de Renault, dispostos, no caso, a provocar no
leitor certa perplexidade, haja vista que se inverte a presumida relação empírica
de causa e consequência, a presidir a maior parte dos fatos da vida.
Afirma a voz lírica
que “a poesia tem vida própria”, sendo incerto o destino do poema que a encerra
– de mais a mais, “como todos os destinos”: é que o súbito, o espontâneo, o
repentino são alguns de seus atributos, tornando mais do que axiomático que o
contingente também mora na casa da poesia – esse reduto de “pensamentos, cores,
formas”.
J.A.R. – H.C.
Abgar Renault
(1901-1995)
O poema conduz o
poeta
A poesia acontece de
repente,
tal como um grande
amor ou uma rosa:
escorre uma palavra
de uma pena
ou de um lápis azul,
e outra palavra
a ela se casa, e
súbito desperta
um novo som ou uma
ideia nova,
que criam sobre os
lábios e nos olhos
musicais pensamentos,
cores, formas.
A poesia tem sua vida
própria,
segue linhas de
curvas insabidas,
e o fim de cada poema
que escrevemos
é incerto como todos
os destinos.
O poeta pensa que
dirige o poema,
e é por ele, em
raízes, dirigido;
a poesia é senhora de
si mesma:
Vida – acontece e
acaba de repente.
A poesia da vida
(Anastasia Mily:
artista australiana)
Referência:
RENAULT, Abgar. O
poema conduz o poeta. In: __________. Obra poética. Rio de Janeiro, RJ:
Record, 1990. p. 165.
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