A voz lírica dirige-se
ao seu interlocutor – o nomeado “Crioulo” –, retratando-o mediante elementos de
sua própria terra natal, mesclando-os aos ingentes dissabores por ele
experimentados no quotidiano – como dor, resignação, desolação –, todos a emergirem
de um estado de coisas que não dá muda às interfaces da realidade que se lhe
mostram penosamente contumazes.
Belos sonhos ousam brotar
nesse “lume íntimo” e de “coragem”, mas logo barreiras se interpõem nos
horizontes da senda, transmutando-lhe o espírito compreensivo e humilde em têmpera
desenganada, em desilusão que faz de cada manhã uma aurora vã: onde “as
promessas divinas da esperança”, como diria Castro Alves?!
J.A.R. – H.C.
Manuel dos Santos
Lopes
(1907-2005)
Crioulo
Há em ti a chama que
arde com inquietação
e o lume íntimo,
escondido, dos restolhos
– que é o calor que
tem mais duração.
A terra onde nasceste
deu-te a coragem e a resignação.
Deu-te a fome nas
estiagens dolorosas.
Deu-te a dor para que,
nela
sofrendo, fosses mais
humano.
Deu-te a provar da
sua taça o agridoce da compreensão,
e a humildade que
nasce do desengano…
E deu-te esta
esperança desenganada
em cada um dos dias
que virão
e esta alegria
guardada
para a manhã esperada
em vão…
Homem e mulher no
campo
com cestas de algodão
(William Aiken
Walker: pintor norte-americano)
Referência:
LOPES, Manuel. Crioulo. In: __________. Crioulo e outros poemas. Lisboa, PT: Edição do Autor, 1964. p. 55.
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