Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Manuel Lopes - Crioulo

A voz lírica dirige-se ao seu interlocutor – o nomeado “Crioulo” –, retratando-o mediante elementos de sua própria terra natal, mesclando-os aos ingentes dissabores por ele experimentados no quotidiano – como dor, resignação, desolação –, todos a emergirem de um estado de coisas que não dá muda às interfaces da realidade que se lhe mostram penosamente contumazes.

 

Belos sonhos ousam brotar nesse “lume íntimo” e de “coragem”, mas logo barreiras se interpõem nos horizontes da senda, transmutando-lhe o espírito compreensivo e humilde em têmpera desenganada, em desilusão que faz de cada manhã uma aurora vã: onde “as promessas divinas da esperança”, como diria Castro Alves?!

 

J.A.R. – H.C.

 

Manuel dos Santos Lopes

(1907-2005)

 

Crioulo

 

Há em ti a chama que arde com inquietação

e o lume íntimo, escondido, dos restolhos

– que é o calor que tem mais duração.

A terra onde nasceste deu-te a coragem e a resignação.

Deu-te a fome nas estiagens dolorosas.

Deu-te a dor para que, nela

sofrendo, fosses mais humano.

Deu-te a provar da sua taça o agridoce da compreensão,

e a humildade que nasce do desengano…

 

E deu-te esta esperança desenganada

em cada um dos dias que virão

e esta alegria guardada

para a manhã esperada

em vão…

 

Homem e mulher no campo

com cestas de algodão

(William Aiken Walker: pintor norte-americano)

 

Referência:

 

LOPES, Manuel. Crioulo. In: __________. Crioulo e outros poemas. Lisboa, PT: Edição do Autor, 1964. p. 55.

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